Fabiana, de 23 anos, foi morta pela PM em Inhumas (GO), na frente do filho de seis anos. Depoimento da criança revela execução a tiros
Mais de dois anos após a confeiteira Fabiana Matos Rodrigues, então com 23 anos, ser morta pela Polícia Militar em Inhumas (GO), região metropolitana de Goiânia, o depoimento de uma importante testemunha foi anexado ao processo criminal na última terça-feira (24/1).
Trata-se do relato do filho de Fabiana, que na época do crime tinha apenas seis anos. Ele viu a mãe ser executada a tiros por policiais militares, na noite de 8 de outubro de 2020. Dois PMs se tornaram réus por homicídio sem permitir defesa da vítima.
“Minha mãe estava andando devagar na descida. (…). Eles (policiais) não pediram para parar, não falaram nada, não falaram levanta a mão, só apareceram e atiraram, o vidro estava aberto e eles atiraram. (…). Eu vi minha mãe levar um tiro, meu coração acelerou”, relatou o menino para uma equipe de escuta especializada com crianças e adolescentes.
No momento da abordagem policial, Fabiana dirigia uma Parati branca. Uma prima, adolescente de 16 anos, estava no banco do passageiro. A criança de seis anos estava no banco de trás e não foi baleada.
“A polícia apareceu e não falou nada, apontou a arma e atirou no olho da minha mãe e a (prima adolescente) pegou no coração, depois a polícia me pegou no carro e me levou para minha avó e eu fiquei triste”, relatou ainda a criança no depoimento.
Contexto
Fabiana era confeiteira, vendia bolsas e participava de uma feira da cidade duas vezes por semana. No entanto, segundo as investigações, um mês antes de morrer, começou a traficar maconha. No dia da morte, ela levava cinco quilos da droga no carro. Ela não tinha antecedente criminal.
Parentes de Fabiana, incluindo o filho, não sabiam da atividade ilícita da confeiteira. Para levar a grande quantidade da droga até um determinado traficante, Fabiana ganharia R$ 1 mil, ainda de acordo com as investigações.
Fabiana tinha se separado do pai do filho recentemente. Ele havia se mudado para a Inglaterra. No entanto, segundo familiares, ele ainda tinha sentimentos por Fabiana e “surtou” quando ficou sabendo da morte da ex-mulher.
Uma testemunha contou que em uma última conversa que teve com Fabiana, a confeiteira relatou que estava juntando dinheiro para ir para a Inglaterra reconquistar o ex-marido.
Sobreviventes
Para o Ministério Público, Fabiana foi abordada de surpresa e sem sinal de parada ou qualquer identificação, com luzes da viatura desligadas. A perícia não encontrou indício de que Fabiana tenha atirado contra os policiais ou que estivesse armada, como eles alegaram.
Segundo o MP, os policiais deram um primeiro tiro que atingiu Fabiana acima da clavícula esquerda e atravessou o corpo até a lombar direita. Ela então teria gritado que o filho estava lá, mas ainda assim, os policiais teriam descido do carro e dado mais tiros.
Um segundo disparo acertou o olho de Fabiana e atravessou até o ouvido. Ela morreu dentro do carro.
A prima adolescente sobreviveu, mas com sequelas. Ela foi baleada em várias partes do corpo, teve fratura exposta, comprometimento da estrutura nervosa do ombro direito e paralisia de uma das mãos.
Segundo depoimento da prima adolescente, após o fim dos tiros, um dos policiais teria percebido que as vítimas eram do sexo feminino e teria questionado: “O que a gente fez?”.
Ação criminal
O subtenente Alcir da Silva Lima e o soldado Ricardo de Jesus Souza são réus pelo homicídio de Fabiana. Ainda não ocorreu a primeira fase do julgamento, que decide se o caso vai para júri popular. O processo tramita no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO).
Em paralelo, a Defensoria Pública de Goiás (DPE-GO) entrou com uma ação pedindo que o estado de Goiás seja condenado a pagar R$ 1 milhão de indenização ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente de Inhumas. A DPE também pediu o afastamento dos PMs envolvidos no assassinato até que o processo criminal seja julgado.
A reportagem entrou em contato com a defesa dos policiais, com a PM e com a Secretaria de Segurança Pública de Goiás, mas não obteve uma resposta. O espaço segue aberto para manifestação.
Depois da morte da mãe, a criança passou por quatro meses de tratamento psicológico na rede pública e privada. Atualmente, vive com familiares e é considerada uma criança comunicativa e com comportamentos condizentes com sua idade, segundo relatório da assistente social.