Cada ano é importante, cada ano é fundamental e cada ano traz surpresas — boas e ruins. Mas é impossível escapar à sensação de que o mundo está perto de um precipício e que em 2024 daremos um passo em frente, subvertendo a ordem mundial, ou um passo atrás, regressando a uma versão de “normalidade”.
O que 2024 trará?
“As previsões são difíceis, especialmente sobre o futuro”, diz um truísmo atribuído ao ex-jogador de beisebol Yogi Berra, ao físico ganhador do Prêmio Nobel Niels Bohr e muitos outros. A obviedade destaca quão incerto é o futuro — como aprendemos em 2020 — e quão frustrante pode ser a busca por respostas, dada a magnitude dos riscos.
Sem dúvida, as eleições nos Estados Unidos são hoje uma das preocupações dominantes em todo o mundo. Perdi a conta de quantas pessoas me disseram, durante viagens recentes, o quão preocupadas e perplexas estão com a possibilidade dos norte-americanos devolverem o ex-presidente Donald Trump à Casa Branca.
Na verdade, a revista “The Economist” declarou que “Donald Trump representa o maior perigo para o mundo em 2024”, descrevendo-o como uma sombra que paira sobre todos nós.
A eleição determinará se a presidência caótica de Trump, com seus traços autoritários, foi apenas um acaso da história dos EUA, ou se é a presidência de Joe Biden que não representa mais nada além de uma pausa de quatro anos na descida da América para o isolacionismo autoritário.
A resposta terá graves repercussões em todo o mundo.
Uma segunda presidência de Trump quase certamente seria mais extrema em diversas frentes. O ex-presidente prometeu usar o Departamento de Justiça para buscar vingança contra seus oponentes políticos, minando as instituições dos EUA, minando a democracia e flertando com a ditadura.
Essas ações fortaleceriam aqueles que afirmam que a democracia de estilo ocidental é um sistema falido, fortalecendo o bloco emergente de autocracias antiocidentais — Rússia, China, Irã e Coreia do Norte — uma equipe de tiranos que procuram desafiar a influência global do Ocidente à medida que, todos fortemente armados, ameaçam os seus vizinhos.
Trump falou o suficiente para que os aliados e adversários dos EUA entendessem os riscos – ou potenciais, dependendo da sua perspectiva – de um segundo mandato. E os seus pronunciamentos levaram os aliados da América a questionar até que ponto Washington estaria empenhado na sua defesa se ele regressasse ao cargo.
O ex-presidente já declarou que encerraria a guerra na Ucrânia em 24 horas. Ele questionou se os EUA deveriam defender a Coreia do Sul e aludiu a países como Japão e Coreia do Sul obtendo armas nucleares para se defenderem.
Os comentários sobre a Ucrânia sem dúvida chamaram a atenção do presidente russo, Vladimir Putin, o autocrata que Trump não gosta de criticar e até elogiar, ao cercar a Ucrânia.
O chefe de política externa da União Europeia, Josep Borrell, disse que Putin não ficará satisfeito com uma vitória limitada na Ucrânia, “especialmente não antes das eleições americanas, que podem apresentar-lhe um cenário muito mais favorável”.
Por outras palavras, Putin continuará atacando, esperando que uma vitória de Trump em novembro puxe o tapete ao apoio de Washington a Kiev, ajudando a Rússia a obter a vitória total sobre a Ucrânia.
Como países anteriormente sob o domínio de Moscou e outros avisaram, se a Rússia vencer na Ucrânia, Putin poderia ver um caminho para recuperar outras partes do antigo império soviético, talvez tentando conquistar a pequena Moldávia e até mesmo a Estados bálticos que são agora membros da Otan.
A Otan deveria defender todos os seus membros, mas Trump já lançou dúvidas sobre se os EUA ajudariam um aliado em apuros. Apesar da recente aprovação bipartidária de um projeto de lei que proibiria um presidente de retirar unilateralmente os EUA da Otan sem a aprovação do Congresso, o presidente teria ampla liberdade para responder aos desafios militares globais.
Vemos isto quase diariamente durante as crises de hoje, quando Biden enviou navios de guerra dos EUA para o Mediterrâneo e o Mar Vermelho num esforço para impedir a expansão da guerra entre Israel e o Hamas – um conflito que já ameaça tornar-se regional – ou enviou repetidamente mensagens prometendo apoio a Taiwan como um aviso à China, cujo líder apenas repetiu a sua promessa de reunificar a ilha.
Se os EUA recuarem enquanto Putin promove os seus objetivos neo-imperialistas, a China poderá ficar tentada a tentar tomar Taiwan e intimidar ainda mais os seus vizinhos. A própria perspectiva de uma China encorajada representaria um golpe nos esforços de não proliferação nuclear.
Também provocaria tremores globais de volatilidade. O fim da Pax Americana, por mais imperfeito que seja, impulsionaria mais potências de médio porte a pegar em armas contra os seus rivais.
E, no entanto, Trump pode não ganhar as eleições. Se Biden for reeleito, as chances de restaurar a estabilidade global são muito maiores. Mas eles estão longe de estar seguros.
Na verdade, os EUA são apenas um entre dezenas de países definidos para realizar eleições, incluindo nações importantes como México, Índia, Indonésia, Rússia e Reino Unido. O resultado de alguns é pré-determinado. As eleições na Rússia, por exemplo, são uma farsa. Mas outros poderão sinalizar novos rumos nos próximos anos.
Uma coisa que sabemos é que ninguém vive para sempre. Principais figuras mundiais — Biden, Trump, o líder supremo iraniano Ali Khamanei — estão na casa dos 70 e 80 anos. Khamenei estava doente em 2022, mas seu gabinete negava os relatórios. Não sabemos quem irá sucedê-lo, quão radical será o seu sucessor, ou como os iranianos responderão quando chegar o momento.
Não esqueçamos que 2024 certamente também trará boas surpresas. Não sabemos o quê (são surpresas!), mas há uma probabilidade considerável de que os problemas possam ser resolvidos para melhor.
Geralmente não sou pessimista quanto ao futuro. Hoje, os EUA estão em boas mãos. A economia está indo muito bem. O Ocidente, apesar dos seus desafios, está unido. As pessoas em todos os lugares preferem a liberdade à escravidão.
Muitos cenários sombrios têm um outro lado, um resultado potencialmente feliz. Grande parte depende das pessoas que tomam as decisões, desde os eleitores aos líderes mundiais. E inúmeras pessoas em todo o planeta estão trabalhando para garantir um futuro melhor.
A própria noção de que estamos à beira do precipício pode motivar-nos a dar um passo para trás, para nos afastarmos do abismo, e seguirmos em direção a um caminho mais pacífico e promissor.