Por Gustavo Lucena, servidor público
Sei que parece um pouco extemporâneo, mas somente agora, após quase 02 meses de seu lançamento, me deu vontade de traçar umas linhas sobre a série “Senna” da Netflix.
Senna foi meu herói na infância e juventude, e logo meu interesse pela série se tornou natural.
Não sou especialista em cinema, assisti a série como um fã e esperava algo bastante completo, mostrando Senna em seus acertos e erros, suas virtudes e defeitos, por mais que a família do tricampeão estivesse no controle da narrativa.
A série é impecável no aspecto técnico. A reprodução das corridas, dos carros, os detalhes dos patrocinadores beiram a perfeição. A série p.exemplo, não apagou os patrocinadores de cigarros, foi fiel aos fatos. A atuação dos atores também são bastante dignas. Além do Gabriel Leone, merecem destaque Matt Mella (Alain Prost), Gabriel Louchard (Galvão Bueno), Pamela Tomé (Xuxa Meneghel) e Patrick Kennedy (Ron Dennis, dono da McLaren). Afora estes, os atores figurantes fisicamente eram bem fieis aos personagens da vida real.
Ainda sim, confesso que ficou aquele gosto de que faltou algo a mais. Em muitos momentos a série parece ser mais corrida que o próprio Senna era nas pistas. Também fizeram falta vários momentos polêmicos da carreira do piloto, que certamente enriqueceriam ainda mais a obra da Netflix.
Esse modesto escriba vai enumerar alguns fatos que não entraram na série e que a eventual inclusão deles poderia inclusive resultar num produto melhor, por mais que isso acarretassem em mais episódios-extra:
- O primeiro teste de Senna com um carro de F1: ele ocorreu em meados de 1983, e foi a bordo de uma Williams-Ford. Nele, Senna impressionou e bateu o recorde da pista de Donington Park. Após esse teste, Senna também andou de McLaren, Brabham e Toleman;
- Negociações para correr em 1984: antes de assinar com a Toleman, Senna negociou para correr na McLaren e na Brabham. Na McLaren, foi oferecido uma vaga de piloto de testes, e na Brabham, o nome de Senna foi vetado, só não se sabe se por Nélson Piquet ou pela patrocinadora da equipe, a Parmalat, que queria um piloto italiano para ser companheiro de Piquet;
- Outras rivalidades: além de Alain Prost, Senna teve ao menos mais 03 rivais de grande relevância para sua carreira – Elio De Angelis, Nélson Piquet e Nigel Mansell;
- Senna x De Angelis: O primeiro grande rival de Senna foi Elio De Angelis, seu companheiro na Lotus em 1985. De Angelis era o principal piloto da equipe até a chegada de Senna. Ambos travaram uma disputa dura dentro e fora das pistas para saber quem teria a preferência da equipe. No final da temporada Senna ganhou a disputa interna por poucos pontos e De Angelis deixou a Lotus ao final de 1985;
- Senna x Piquet: a rivalidade entre Senna e Piquet começou com o rumoroso caso do veto que este último supostamente exerceu na Brabham para impedir a chegada de Senna a equipe. Na pista, ambos tiveram poucos embates, com destaque para o GP da Hungria de 1986, em que Piquet fez uma ultrapassagem sensacional sobre Senna. Fora das pistas no entanto, ambos viveram situações que inclusive ultrapassaram o mundo da Fórmula 1;
- Senna X Mansell: foi uma rivalidade que basicamente se restringiu apenas nas pistas. Ambos os pilotos tinham um perfil bastante agressivo e que por isso sempre havia risco de colisão em caso de encontro de ambos nas pistas. Os duelos Senna e Mansell com certeza propiciariam a película belas cenas disputas como aconteceram nos GPs da Espanha de 1986, Espanha de 1991 e Mônaco de 1992;
- O veto de Senna: após a saída de Elio De Angelis, a Lotus queria contratar um piloto de bom nível técnico para acompanhar Senna, sem no entanto desafiá-lo. O inglês Derek Warwick era o nome preferido da equipe, agradava os patrocinadores e a imprensa inglesa, e inclusive chegou a testar o carro. No entanto, ao ser comunicado da escolha, Senna desaprovou a contratação, sob a alegação de que a Lotus só teria condições técnicas de fazer um carro realmente competitivo para disputar o título. Além disso, Warwick, um piloto de bom trato Fórmula 1, poderia dividir a equipe e atrapalhar os planos de Senna. Então Senna conseguiu convencer a Lotus a não assinar com Warwick e no lugar deste, entrou o escocês Johnny Dumfries, um então piloto novato que não ameaçaria o reinado de Senna na equipe.
- As temporadas de 1992 e 1993: foram temporadas bastante ricas em se tratando de Ayrton Senna. Embora ele não tenha ganho campeonatos, foram nessas temporadas em que o Senna dentro das pistas e o Senna dos bastidores ofereceram uma riqueza imensa de fatos que poderiam ser aproveitados.
- 1992: Senna e a McLaren eram impotentes em alcançar o “carro do outro planeta” da Williams-Renault, e nos bastidores o brasileiro atuava para correr nesta equipe, até mesmo “de graça” e acabaria por receber o veto de Prost, que fora recém-contratado pela Williams. Foi nessa temporada em que Senna fez aquela corrida inesquecível em Mônaco, segurando no braço as investidas de Mansell no “carro do outro planeta”.
- 1993: fora das pistas, Senna estava hesitante em renovar seu contrato com a McLaren, inclusive assinava acordos corrida a corrida, o que o fez ganhar muito dinheiro na época. Dentro das pistas Senna mostrou-se no ápice da sua forma técnica, tendo exibições de gala na África do Sul, no Brasil e principalmente em Donington Park. Essas corridas, se exibidas, trariam ainda mais beleza a série.
Como podemos ver, fatos relevantes ficaram de fora da série “Senna”. E olhe que a maioria deles não são polêmicos e não diminuem em nada a imagem do piloto, muito pelo contrário. Por isso, acho que não seria exagero se houvessem pedidos para o lançamento de uma versão estendida dada a quantidade de fatos que não foram abordados pela série.