A conservação dos recursos hídricos é um dos pilares da preservação ambiental, especialmente em regiões vulneráveis. No Rio Grande do Norte, o que motivou a criação da Área de Proteção Ambiental (APA) Piquiri-Una, em 1990, foi justamente reconhecer a importância desses recursos em sua relação com o ecossistema e preservá-los.
Localizada entre cinco municípios potiguares, esta foi a quarta unidade de conservação (UC) reconhecida no RN, dois anos após o Parque Estadual Florêncio Luciano, em Parelhas. A APA Piquiri-Una abrange partes do Agreste e do Litoral Sul do estado, nas cidades de Goianinha, Canguaretama, Espírito Santo, Pedro Velho e Várzea.
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Piquiri-Una caracteriza-se como uma unidade de conservação de uso sustentável, na qual vive a comunidade indígena Katu, além das demais populações dos municípios; estudiosos realizam pesquisas científicas; turistas exploram as possibilidades ali encontradas; e uma rica biodiversidade repousa.
O biólogo André de Sousa, gestor da APA Piquiri-Una, explica que a área foi reconhecida como UC para preservar seus recursos hídricos, os fragmentos de mata atlântica e os trechos de caatinga que há nela. Suas águas abastecem as cidades da região, e a APA contempla três importantes bacias hidrográficas, dos rios Jacú, Catú e Curimataú.
APA abrange cinco municípios norte-rio-grandenses / Foto: Ascom/Idema
O tamanho inicial da Piquiri-Una, em 1990, era de 12 mil hectares, mas um decreto de 2011 elevou a área da APA para os atuais 40.707 hectares. André pontua que a Piquiri-Una é a segunda maior unidade de conservação do RN em terra, ficando atrás apenas da APA Bonfim-Guaraíra; e a terceira maior se considerar a Área de Proteção Ambiental dos Recifes de Corais (que é marinha).
Águas na unidade de conservação
O gestor da APA Piquiri-Una afirma que a proteção das águas é uma prioridade na unidade, pois nela existem diversas nascentes de rios, cujas águas escoam e abastecem não só municípios ligados à APA, mas também outras regiões do RN, por meio de carros-pipa.
“A questão dos recursos hídricos é de fundamental importância. A água é vida para a população e para os animais, para todo o bioma e a biota local. O objetivo principal da criação, além do uso e ocupação do solo, é a proteção dos recursos naturais. O principal recurso que a gente vê nessa APA são os recursos hídricos, além das matas, dos animais, da vegetação. Todo o ecossistema é importante”, ele frisa.
Águas da APA Piquiri-Una / Fotos: Ascom/Idema; André de Sousa
André, que também é pedagogo e servidor na recém-criada Unidade de Gestão de Biodiversidade (UGBio) do Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do RN (Idema), explica que toda UC do tipo área de proteção ambiental é de uso sustentável.
Essa é uma das disposições da Lei nº 9.985/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. As UCs de uso sustentável podem ser áreas de proteção ambientaláreas de relevante interesse ecológico, florestas nacionais, reservas extrativistas, reservas de fauna, reservas de desenvolvimento sustentável e reservas particulares do patrimônio natural. Já as UCs de proteção integral podem ser dos tipos estação ecológica, reserva biológica, parque, monumento natural e refúgio de vida silvestre.
De acordo com André, essa classificação “depende do contexto, da biodiversidade, da geomorfologia da área”.
Até o nome da unidade tem relação com a água, conta o biólogo. O nome junta dois termos do tupi-guarani – Piquiri (rio de peixinhos) e Una (escuro, preto) – e significa, portanto, rio de peixinhos escuros.
“Temos uma grande quantidade de rios, e em boa parte desses rios a gente encontra as águas um pouco escuras. Mas é devido ao processo da matéria orgânica, de decomposição. As folhas que caem nos rios vão deixando eles um pouco escuros. São rios bastante preservados”, esclarece.
Biólogo e gestor da APA Piquiri-Una destaca potenciais da unidade / Foto: arquivo pessoal/André de Sousa
Ainda sobre a história da UC, André lembra que, nos anos de 1990, a Caern (Companhia de Águas e Esgotos do RN) apresentou a demanda para conservação dos recursos hídricos, junto à Coordenadoria de Meio Ambiente (CMA) que existia na época.
Atividades em meio à natureza
Assim como diversas unidades de conservação, sejam elas de proteção integral, sejam de uso sustentável, a APA Piquiri-Una propõe uma série de atividades, que aliam o desenvolvimento sustentável com possibilidades de sentir e viver a natureza. Na APA, destacam-se as trilhas ecológicas, que fomentam o ecoturismo na região.
Além disso, André diz que há o etnoturismo, trabalhado na comunidade indígena Katu, o turismo pedagógico e o turismo de aventura. É possível fazer trilhas ecológicas, caminhadas e corridas em áreas como a Mata do Pilão, em Espírito Santo.
Segundo o zoneamento ambiental presente no plano de manejo da APA Piquiri-Una, a região tem cinco zonas: a zona de preservação; a zona de conservação; a zona tradicional de uso sustentável do Catú; a zona de uso sustentável; e a zona de ocupação controlada.
Piquiri-Una é a segunda maior unidade de conservação do RN em terra, abrangendo cinco cidades / Foto: Ascom/Idema
“O zoneamento é uma delimitação geográfica e espacial da área, onde a gente vai ter os usos permitidos e os não permitidos. O que pode e o que não pode em determinado local de atividade”André explica.
Nesses mais de 40 mil hectares, algumas atividades ilegais se arrastam há décadas, causando conflito, inclusive, com as comunidades tradicionais que lá habitam. O cacique Luiz Katu contou um pouco dessa história à reportagem da Agência Saiba Maisem 27 de janeiro.
A liderança indígena disse que o plantio de cana-de-açúcar, por exemplo, diminuiu entre os meses de janeiro e maio de 2024, após grandes denúncias da comunidade de plantio ilegal e derrubada de mata nativa, mas “há uma continuidade na retirada ilegal de madeira” na região.
Na região da APA Piquiri-Una, vive a comunidade indígena Katu / Foto: André de Sousa
André de Sousa diz que uma das preocupações do Idema é fazer um trabalho de vistoria dessas áreas, em parceria com o setor de fiscalização do órgão, para coibir irregularidades e crimes ambientais. Segundo ele, o Batalhão de Policiamento Ambiental é um aliado.
“Estamos na área, nos fragmentos de mata, na comunidade, passando e vendo se está tendo algum tipo de crime ambiental, algum tipo de irregularidade, desmatamento, tráfico de animais silvestres, qualquer tipo de extração irregular de areia sem o devido licenciamento”, detalha.
Educação ambiental é praticada na escola / Foto: arquivo pessoal/André de Sousa
Outra atividade desenvolvida no território é a educação ambiental, que é promovida, segundo André, em parceria com as comunidades locais, nas escolas. Outro parceiro, em algumas ações, é o Batalhão de Policiamento Ambiental, que já contribuiu com animais empalhados para atividades de educação ambiental e palestras.
Rica biodiversidade
Uma das maiores riquezas da APA Piquiri-Una, conforme seu gestor, é a sua biodiversidade. São centenas de espécies de flora, representativas da mata atlântica e da caatinga, e espécies animais, entre aves, peixes, mamíferos, anfíbios e répteis.
Preservação da natureza conserva a rica flora do local / Foto: arquivo pessoal/André de Sousa
Em 2013, o plano de manejo informava a existência de 328 espécies animais na APA. Entre tantas árvores, André lembra da maçaranduba, pau-ferro, jatobá, pau-brasil e outras. De animais, lá residem o gato-do-mato, o tamanduá, o mocó e algumas aves, como golinha e azulão. A vegetação exuberante de mata atlântica salta aos olhos:
“A gente tem duas grandes árvores que são bem representativas, apesar de elas não pertencerem ao bioma mata atlântica. No caso, a Samaumeira, a Samaúma, em Pedro Velho, que é uma árvore de origem amazônica, mas que é uma árvore centenária. Ela é uma árvore bem símbolo da APA Piquiri-Una. A outra é a gameleira, que a gente encontra na Mata do Pilão”, André afirma.
Sumaumeira e gameleira estão entre as maiores árvores presentes no RN / Foto: arquivo pessoal/André de Sousa
Por outro lado, a caatinga está situada especialmente em Várzea. Segundo André, trata-se de uma região ecotonal, ou seja, uma área de transição entre dois biomas, a mata atlântica e a caatinga: “É uma vegetação ainda bem fechada, não é aquela caatinga mais rala, aquela vegetação mais seca. Ainda é uma área de mata bem fechada, mas é uma área arbustiva, diferente da mata atlântica, que é uma área mais arbórea”.
Pesquisa científica
Outro ponto representativo das UCs é a sua contribuição para a pesquisa científica, que deve ser aprovada pelo órgão gestor da unidade – neste caso, o Idema – e fica no acervo da UC. André cita seis pesquisas recentes (confira abaixo), mas diversas outras já exploraram os aspectos ambientais, culturais e sociais da APA Piquiri-Una.
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Fonte: André de Sousa, gestor da APA Piquiri-Una
Piquiri-Una é berço de pesquisas científicas / Foto: arquivo pessoal/André de Sousa
Quanto à gestão da unidade, André informa que existe um conselho gestor para ouvir as demandas da UC. O conselho é formado por representantes de diversas instituições nos âmbitos federal, estadual e municipal.
Além deles, há representantes de instituições públicas, da sociedade civil organizada, ONGs, instituições de ensino e pesquisa, associação de moradores, comunidades locais, entidades representantes de trabalhadores, setor produtivo e assentamentos. Um dos projetos futuros para a unidade é a implantação de um Ecoposto do Idema.
Esta é a terceira reportagem da série de reportagens da Agência Saiba Mais sobre as 11 unidades de conservação que existem no Rio Grande do Norte.
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