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Fátima Bezerra (PT) foi a única governadora do Nordeste que se manifestou publicamente, através das redes sociais, em defesa da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 33 pessoas por tentativa de golpe de Estado em 2022. Os demais governadores nordestinos, incluindo os petistas Elmano de Freitas (Ceará), Rafael Fonteles (Piauí) e Jerônimo Rodrigues (Bahia), até o fechamento dessa matéria, não haviam feito nenhuma declaração sobre o assunto.
O silêncio chama a atenção porque, durante os quatro anos de governo do ex-presidente acusado de comandar a organização criminosa que tentou dar um golpe de estado para permanecer no poder, os governadores brasileiros, em especial os nordestinos foram alvos de ataques, ofensas e perseguições.
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Em julho de 2019, no primeiro ano do seu mandato, ele se referiu aos gestores da região em tom pejorativo dizendo que “daqueles governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão, tem que ter nada com esse cara”, numa citação ao então governador Flávio Dino, que atualmente é ministro do STF.
Os ataques aos governadores também se seguiram durante a pandemia da Covid-19, quando o ex-presidente se posicionou contra as medidas sanitárias de distanciamento social adotadas pelos estados, além de fazer campanha contra a vacina e estimular as pessoas a irem contra os decretos dos governadores.
Única mulher
Em 2018, Fátima foi a única mulher eleita governadora no Brasil. A petista afirmou que, durante seu primeiro mandato, foi vítima da perseguição do governo federal, que segundo ela boicotou os investimentos no Rio Grande do Norte.
Em mensagem postada nas redes sociais, a governadora potiguar afirmou que as provas da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o ex-presidente Bolsonaro “são incontestáveis”.
“A denúncia contra Bolsonaro, Braga Netto e outros golpistas é um marco na defesa da democracia. As provas são incontestáveis. Que a justiça seja feita de forma implacável para que nunca mais ameacem o Brasil”escreveu a governadora.
Em outra mensagem publicada no X, antigo Twitter, a governadora disse que Bolsonaro “foi denunciado pela PGR por conspirar contra a democracia” e defendeu que “é hora de ele e seus cúmplices responderem pelos ataques ao país e ao estado democrático de direito”.
Bolsonaro comandou organização criminosa
A denúncia da PGR acusa Bolsonaro de comandar a “organização criminosa constituída desde pelo menos o dia 29 de junho de 2021”, que culminou nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, cujo objetivo era “impedir o regular funcionamento dos Poderes da República e depor um governo legitimamente eleito”.
“A organização tinha por líderes o próprio Presidente da República e o seu candidato a Vice-Presidente, o General Braga Neto. Ambos aceitaram, estimularam, e realizaram atos tipificados na legislação penal de atentado contra o bem jurídico da existência e independência dos poderes e do Estado de Direito Democrático”, acusa a PGR.
De acordo com o procurador-geral Paulo Gonet, a organização criminosa operou “com o emprego de armas” e “utilizou violência e grave ameaça” em sua tentativa de aplicar um Golpe de Estado em 2022.
“A organização também concorreu, em 8.1.2023, na Praça dos Três Poderes, em Brasília/DF, mediante auxílio moral e material, para a destruição, inutilização e deterioração de patrimônio da União, em investida ocorrida contra as sedes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, com violência à pessoa e grave ameaça, emprego de substância inflamável e gerando prejuízo considerável para a União”, diz trecho da denúncia.
Cadeia de acontecimentos
Na peça acusatória, Paulo Gonet descreve que a trama golpista liderada pelo ex-presidente Bolsonaro “tem antecedentes que a explicam e se desenvolve em fases, momentos e ações ao longo de um tempo considerável”.
A “cadeia de acontecimentos”, prossegue o procurador-geral, foi articulada para permitir à organização criminosa “não deixar o poder, ou a ele retornar, pela força, ameaçada ou exercida, contrariando o resultado apurado da vontade popular nas urnas”.
A PGR, ao traçar a linha do tempo dessa trama golpista, conclui que a cadeia de acontecimentos teve início ainda em 2021, a partir de quando o ex-presidente “adotou crescente tom de ruptura com a normalidade institucional nos seus repetidos pronunciamentos públicos em que se mostrava descontente com decisões de tribunais superiores e com o sistema eleitoral eletrônico em vigor”.
“Essa escalada ganhou impulso mais notável quando Luiz Inácio Lula da Silva, visto como o mais forte contendor na disputa eleitoral de 2022, tornou-se elegível, em virtude da anulação de condenações criminais”, narra a denúncia.
Plano De Fulga
A denúncia cita que, em 22 de março de 2022, poucos dias depois de Lula haver superado sua inelegibilidade, o grupo de apoio de Bolsonaro cogitou que ele passasse “abertamente a afrontar e a desobedecer a decisões do Supremo Tribunal Federal, chegando a criar plano de contingenciamento e fuga de Bolsonaro, se a ousadia não viesse a ser tolerada pelos militares”.
À medida que as pesquisas eleitorais indicavam o favoritismo de Lula nas eleições de 2022, o grupo percebia “a necessidade de pronta arregimentação de ações coordenadas contra a possibilidade temida que se avultava”.
“Começaram, então, práticas de execução do plano articulado para a manutenção do poder do Presidente da República não obstante o resultado que as urnas oferecessem no ano seguinte”, relata a PGR.
Minuta atingiu
O órgão ressalta que, durante as investigações, “foram encontrados manuscritos, arquivos digitais, planilhas e trocas de mensagem reveladores da marcha de ruptura da
ordem democrática”, numa citação à “minuta do golpe” encontrada na sede do PL, partido de Jair Bolsonaro.
Parte da estratégia da organização criminosa passava pela construção da narrativa de deslegitimação do sistema eleitoral brasileiro, com ataques às urnas eletrônicas “a fim de deslegitimar possível resultado eleitoral que lhe fosse desfavorável e propiciar condições indutoras da deposição do governo eleito”.
A PGR lembra os ataques de Jair Bolsonaro contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes, nos atos do dia 7 de setembro de 2021, em Brasília e em São Paulo, quando o ex-presidente se dirigiu ao magistrado com “palavras viperinas” e “deu a conhecer o seu propósito de não mais se submeter às deliberações provenientes da Suprema Corte, confiado no apoio que teria das Forças Armadas”.
“As investigações da Polícia Federal revelaram que o pronunciamento não era mero arroubo impensado e inconsequente. Já então, o grupo ao redor do Presidente houvera até mesmo traçado estratégia de atuação em prol do seu líder, incluindo plano de fuga do
país, se porventura lhe faltasse o apoio armado com que contava”, prossegue a denúncia.
Bolsonaro sabia e concordou com plano para matar Lula
Um dos trechos que mais chama atenção na denúncia da PGR é a afirmação de que Bolsonaro sabia e concordou com o plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF, Alexandre de Moraes.
A operação, segundo revelado pelas investigações da Polícia Federal, foi batizada de “Punhal Verde Amarelo”.
“Os membros da organização criminosa estruturaram, no âmbito do Palácio do Planalto, plano de ataque às instituições, com vistas à derrocada do sistema de funcionamento dos Poderes e da ordem democrática, que recebeu o sinistro nome de ‘Punhal Verde Amarelo’. O plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do Presidente da República, que a ele anuiu, ao tempo em que era divulgado relatório em que o Ministério da Defesa se via na contingência de reconhecer a inexistência de detecção de fraude nas eleições”, escreveu o procurador -geral.
8 de janeiro de 2023 foi clímax da trama golpista
Os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, ainda segundo a PGR, foi o clímax da cadeia de eventos que visavam, em último caso, “a permanência autoritária no poder” da organização criminosa comandada pelo ex-presidente Bolsonaro.
“Evidenciou-se que os denunciados integraram organização criminosa, cientes de seu propósito ilícito de permanência autoritária no poder. Em unidade de desígnios, dividiram-se em tarefas e atuaram, de forma relevante, para obter a ruptura violenta da ordem democrática e a deposição do governo legitimamente eleito, dando causa, ainda, aos eventos criminosos de 8.1.2023 na Praça dos Três Poderes”, argumenta a PGR.
Paulo Gonet afirma ainda na denúncia que a trama só não foi bem-sucedida devido à falta de apoio dos então comandantes do Exército e da Aeronáutica.
“As ações progressivas e coordenadas da organização criminosa culminaram no dia 8 de janeiro de 2023, ato final voltado à deposição do governo eleito e à abolição das estruturas democráticas. Os denunciados programaram essa ação social violenta com o objetivo de forçar a intervenção das Forças Armadas e justificar um Estado de Exceção”, diz outro trecho da denúncia da PGR.