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Ação judicial do governo sobre Eletrobras pode inviabilizar privatização de outras estatais

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A ação judicial do governo federal que questiona um ponto específico da privatização da Eletrobras pode acabar inviabilizando a venda do controle de outras estatais do país, como a Companhia Paranaense de Energia (Copel) e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Essas privatizações estão nos planos dos governadores Ratinho Júnior (PSD) e Tarcísio de Freitas (Republicanos), respectivamente.

No início deste mês, a Advocacia-Geral da União (AGU) abriu um processo no Supremo Tribunal Federal (STF) tratando da privatização da Eletrobras. Na ação, subscrita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a AGU pede que o Supremo considere inconstitucional um trecho da lei que autorizou a venda da estatal e proibiu que acionistas detenham mais de 10% do poder de voto na companhia após a operação.

Na prática, essa regra limitou o poder do governo sobre a Eletrobras.

A União, antes da privatização, detinha cerca de 65% das ações ordinárias da Eletrobras – as que dão direito a voto em assembleias que decidem questões-chave sobre a empresa. Levando em conta essa participação no capital social da empresa, ele tinha também 65% dos votos nessas assembleias. Controlava, portanto, a companhia.

No processo de privatização, a Eletrobras realizou uma capitalização – processo no qual uma companhia emite novas ações. Com mais ações circulando no mercado, o governo acabou reduzindo suas participação na empresa a 43%.

Por conta da lei sobre a privatização, esses 43% de participação no capital não garantem poder de voto correspondente. O governo vota como se tivesse só 10% das ações.

“A regra veio apenas a malferir os direitos políticos da União em favor dos demais acionistas minoritários da companhia”, reclamou a AGU em petição, lembrando que hoje nenhum acionista privado tem mais que 10% das ações ordinárias da Eletrobras. Ou seja, só a União perdeu poder de voto por conta da regra estabelecida pela lei.

Ikaro Chaves, diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel), trata esse ponto da lei como uma “picaretagem”. Segundo ele, possibilitou que o controle da Eletrobras fosse vendido por bem menos do que numa privatização comum.

“A Eletrobras tem mais de R$ 80 bilhões em patrimônio. Para construir uma Eletrobras nova, seriam necessários R$ 400 bilhões. O mercado conseguiu se apropriar disso pagando R$ 26 bilhões”, disse ele. “Conseguiram tomar o controle da empresa sem comprá-la.”

Novo modelo

Chaves afirmou que, apesar do prejuízo ao governo constatado pela AGU na privatização da Eletrobras, a venda do controle da empresa virou exemplo nacional. Governos locais, como o do Paraná, decidiram desfazer-se do controle de suas companhias locais em operações semelhantes àquela realizada pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

A Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) já aprovou uma lei autorizando o governo a privatizar a Copel. Essa lei também estabelece que o limite de 10% do poder de voto para acionistas da companhia.

Hoje, o governo do Paraná tem 69%. Estima-se que ele permaneça com 15% após a privatização –ou seja, com menos poder de controle que ações.

A União, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), tem 12,4% das ações. Também pode ser prejudicada.

No caso da Sabesp, a privatização ainda não tem modelo definido. Tarcísio de Freitas disse em sua campanha ser favorável à capitalização –isto é, do “modelo Eletrobras”.

Chaves alertou que esse “modelo Eletrobras” ainda é estudado para possíveis privatizações da Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). Minas é governado por Romeu Zema (Novo), defensor da redução do Estado na economia.

De olho no STF

Chaves ressaltou que o processo em curso no STF pode influenciar todo esses casos. Se o Supremo acatar o pedido do governo e decidir que é ilegal restringir o poder de voto da União na Eletrobras a menos do que o correspondente às suas ações, esse entendimento seria estendido automaticamente para outras privatizações no país.

Na prática, as operações em curso ou em planejamento teriam de ser revistas. A iniciativa privada provavelmente teria de investir mais para assumir o controle de estatais. Possivelmente, algumas vendas previstas tornaram-se inviáveis.

“Se o Supremo declarar a inconstitucionalidade, isso vai afetar as outras privatizações”, disse. “O mercado criou na Eletrobras uma nova jurisprudência sobre como como entregar o patrimônio público de graça.”

Vice-presidente da Confederação Nacional dos Urbanitários (CNU), Fabíola Antezana, também acredita que a ação do governo sobre a privatização da Eletrobras pode ter efeitos muito mais amplos. “O modelo das outras privatizações é o mesmo”, afirmou. “Então se a interpretação da lei passa a ser outro, altera a interpretação para as demais também.”

Chaves alertou que, mesmo em caso de vitória do governo no STF, privatizações seguirão sendo possíveis na União e nos Estados. Para ele, a venda de empresas públicas segue como uma bandeira de governos. O governo do presidente Lula, inclusive, não questiona a privatização da Eletrobras como um todo. Busca só rever a limitação prevista na lei.

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