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Ouro Branco

um guia sobre ameaças à democracia

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Federico Finchelstein , historiador argentino e professor de História da New School for Reseach de Nova York, há pelo menos 30 anos tem pesquisado sobre ditaduras, populismos e fascismo. No Brasil foram publicados os livros Do fascismo ao populismo na História (Edições 70, 2020), Uma breve história das mentiras fascistas (Editora Vestígio, 2020), e o mais recente Aspirantes a fascistas — um guia para entender a maior ameaça à democracia (Editora Vestígio, 2024).

O livro é dividido em uma Introdução (Como o populismo está se transformando em uma forma aspirante de fascismo)e quatro capítulos que ele considera como os quatro pilares do fascismo: A violência e a militarização da política; as mentiras e a propaganda fascista; a política da xenofobia e a ditadura. Tem como base uma extensa bibliografia, com 454 notas (p.209-267).

Segundo o autor “o fascismo está aí, batendo à nossa porta” e o livro pretende ser um guia para identificar estes pilares que são construídos por fatores sociais – problemas políticos, econômicos e sociais que precisam ser resolvidos –  porque fornecem apoio e  certa legitimidade aos aspirantes a fascistas.

Para ele, os aspirantes a fascistas são uma combinação de populistas e fascistas, analisando suas diferenças (enquanto o populismo leva à deterioração da democracia, o fascismo a destrói) e mesmo sendo eleitos pelo voto popular (embora em minoria em relação aos aptos a votar nos respectivos países, com ou sem voto obrigatório) recorrem a mentiras (para serem eleitos e que continuam quando governam), a xenofobia (mais explicitamente na Europa e nos Estados Unidos), ao racismo (idem), a desinformação e violência política que fundamentam e justificam os meios que visam destruir a democracia. Como afirma Ruth Ben-Ghiat – autora de Homens fortes: Mussolini até o presente – um dos aspectos relevantes do livro é evidenciar o fato de que  “muitos populistas nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina estão usando cada vez mais a violência, a propaganda, a xenofobia e os estilos de autoapresentação de maneira que lembram o fascismo histórico e a ditadura clássica”.

São o que ele chama de “uma nova força política em ascensão” que mistura populismo e fascismo e nesse sentido, é uma grande  ameaça  ao futuro da democracia no mundo. Trata-se de uma tendência global em direção à autocracia que “reformulou a história do populismo, transformando-o na aspiração ao fascismo”. Embora esses aspirante não defendam  abertamente o fascismo “gravitam em torno de estilos e comportamentos políticos fascistas” ressaltando o uso da violência  enquanto  uma dimensão histórica do fascismo “como ideologia, como movimento e como regime”.

No livro anterior, Uma breve história das mentiras fascistas eleanalisa o comportamento de alguns líderes  como Donald Trump (Estados Unidos), Jair Bolsonaro (Brasil), Viktor Orbán (Hungria) e Narendra Modi (Índia)  negacionistas que “mentiram sobre o coronavírus e o utilizaram como pretexto para promover seus ímpetos totalitários”. E no caso do Brasil  no governo Bolsonaro (2019-2022) “uma ideologia com propaganda golpista, muito próxima de fascismo se intercalou com o messianismo mais extremo ignorando a pandemia e o bem-estar da população”. As consequências desse comportamento – com em outros países liderados por negacionistas (da ciência, da pandemia etc) se expressou no número (evitável) de mortes e de milhões de infectados.

Para a consolidação desse processo, dos quatro principais elementos do fascismo os aspirantes ainda não conseguiram, como desejam, a instauração de ditaduras: “Eles conseguiram turvar, mas não apagaram  totalmente a separação entre os poderes. Não conseguiram unificar o Estado e a sociedade civil, como no fascismo clássico, nem conseguiram  (como pretendem) destruir por completo o sistema jurídico:“Em termos de violência e militarização, não se igualaram ao extremismo do fascismo clássico”.

Em relação ao Brasil e ao que chama de aspirante a fascista, por declarações e ações, ele se refere à Bolsonaro como uma espécie de “Mini-Trump” e traça alguns paralelos entre ambos como as tentativas (frustradas) de golpe,  como as invasões do capitólio em 6 de janeiro de 2021 por seguidores de Trump e aos atos do dia 8 de janeiro de 2023 em Brasília por seguidores de Bolsonaro.

A lista de países com líderes aspirantes a fascista é longa e inclui, entre outros,  além dos citados, Nayib Bukele presidente de El Salvador (reeleito em 5 de fevereiro de 2024),  Georgia Meloni (primeira-ministra) e Matteo Salvini na Itália, Santiago Abascal na Espanha, Marine Le Pen na França, André Ventura de Portugal, Recep Erdogan na Turquia, Mateusz Morawiecki e Andrzej Duda (do Partido Lei e Justiça) na Polônia e Rodrigo Duterte nas Filipinas.

E na América do Sul, um dos aspirantes à fascista  é Javier Milei da Argentina, eleito em novembro de 2023. Em um artigo publicado na revista Serrote, n.47/ julho de 2024,  intitulado O aspirante da vez Federico Finchelstein descreve  uma ida a Argentina, que coincidiu com os primeiros dias de governo de Milei e conta que assistiu a um discurso dele na abertura dos jogos Macabeus Panamericanos (“algo como jogos panamericanos do judaísmo”) e nele Milei conseguiu “ser várias coisas ao mesmo tempo: perturbador, mentiroso, ridículo e cativante”.

E afirma que ele é “Inepto, grosseiro, grita e insulta e parece não ter ideia do que diz, (como acabar como Banco Central, defender o fim dos políticos – como parte da estratégia de propaganda, falando como se ele não fosse político) , dizendo ainda coisas estapafúrdias como a de que a crise climática é uma invenção socialista e ainda uma pretensa defesa da liberdade “cujo conceito não inclui o direito ao aborto nem as denúncias das violações dos direitos humanos da ultima ditadura militar argentina (1976-1983) ”.

E como outros aspirantes a fascistas seus êxitos se dão (também) no campo da propaganda “Diante da impossibilidade de cumprir esse tipo de promessa, políticos próximos do fascismo, como Milei, tentam vender êxitos no terreno simbólico”. Esse é um campo de fantasia no qual não custa nada apenas prometer. Trata-se de “um mundo mágico e conspiratório no qual o líder sempre tem razão”.

Estas são uma das características dos aspirantes a fascistas, que  procuram  subverter os procedimentos legais para destruir a democracia por dentro, aspirando uma ditadura.

Sobre esses líderes, afirma que não se trata de uma patologia individual (como se fossem apenas malucos excêntricos), mas tem a ver com suas pregações de antipolítica, estranhos e não parte do sistema político que dizem querer combater. Esta é uma estratégia política da extrema direita, que serve de combustível nas campanhas eleitorais, para enganar eleitores.

No livro Primeiro eles tomaram Roma – como a extrema direita conquistou a Itália após a operação mãos limpa – publicado no Brasil em 2022 pela Editora Autonomia Literária – David Broder analisa a Operação Mãos Limpas que visava – como a Operação Lava Jato no Brasil depois –  o  “combate à corrupção” e criminalização da política,  que foi “apropriada” pela extrema direita  nos respectivos países, se valendo de uma fraudulenta operação judicial e o autor mostra, entre outros aspectos, como a estratégia de criminalização da política deu resultados, fortalecendo líderes populistas e aspirantes a fascistas (que vale para outros países) contando com o apoio do que Theodor Adorno chamou de criptofascistas (o criptofascismo é um termo que se refere a um indivíduo ou grupo de pessoas que simpatizam com o fascismo).

Adorno, junto com  Else Frenkel-Brunswik, Daniel J. Levinson e R. Nevitt Sanford deram uma contribuição importante para se compreender a forma como lideres autoritários e aspirantes a fascistas conseguem ter amplo apoio e seguidores. Trata-se do livro Estudos sobre a personalidade autoritária, publicado nos Estados Unidos em 1950 e no Brasil em 2019 pela Editora da UNESP.

Na pesquisa foram aplicados quatro tipos de questionários, compostos por quatro escalas temáticas (Antissemitismo, Etnocentrismo, Conservadorismo Político-Econômico e Fascismo) visando a “mensuração de tendências explicitamente antidemocráticas, com a formulação de escalas (AS, E, PEC e F).

Este último, o fascismo,  ficou conhecido como Escala F, que é uma espécie de conjunto para medir o fascismo dos indivíduos (detalhado entre as páginas 128 a 232 do livro)  e considerando o conjunto das escalas e análise da aplicação dos questionários afirma que há um padrão potencialmente fascista e que “a hipótese da existência de disposições centrais da personalidade que dão origem a esse padrão está consideravelmente bem amparada”(p.232).

E para compreendê-lo, se referem a instrumentos psicológicos que os agitadores fascistas empregam incessantemente e dizem:“Eles dificilmente o fariam se não houvesse uma suscetibilidade à orientação espúria entre seus ouvintes e leitores” (p.266) e, portanto, uma compreensão dos receptores dessas mensagens é de fundamental importância.

E uma estratégia de comunicação é o chamado apito de cachorro. O nome faz referência aos “apitos caninos”, instrumentos que podem ser ouvidos por cães, mas são imperceptíveis para humanos. O objetivo é que  nas mensagens políticas sejam usados códigos, entendidas por apenas adeptos ao movimento, com símbolos que se apropriam de imagens, expressões, gestos, palavras etc.

Trata-se de um conjunto de técnicas que hoje são potencializadas com o uso das redes sociais. Finkestein ao analisar os aspirantes a fascistas se refere à continuidade de uma das características do fascismo iniciado nos anos 1920 na Itália, que é o de se basear na simplificação ideológica como forma de adesão de seguidores fervorosos ou nos termos utilizados no livro Estudos sobre a personalidade autoritária “Provavelmente é essa segurança de tipo delirante que lança seu feitiço sobre aqueles que se sentem inseguros. Por sua própria ignorância, confusão ou semierudição”(p.267).

Um dos aspectos mais importantes na análise sobre os aspirantes a fascistas é sua ameaça permanente. O fato de que alguns desses aspirantes tenham sido derrotados em eleições, não significa que não permaneçam como ameaças, até porque seus seguidores continuam a existir e apoiar, daí a importância e necessidade de conter a expansão do fascismo e dos aspirantes a fascistas e seus seguidores, e fundamentalmente porque se não forem responsabilizados por suas contínuas instigações de crimes contra a democracia, como ele alerta, outras ações semelhantes poderão ocorrer novamente.

O livro Aspirantes a fascistasescrito antes da eleição presidencial de 2024 nos Estados Unidos, serve de reflexão e alerta do que a vitória de Donald Trump  um mitômano como mostra Michiko Katukani no livro A morte da verdade. Notas sobre a mentira na era Trump (Editora Intrínseca, 2018) pode significar para a democracia. Certamente servirá de estímulo para outros aspirantes a fascistas. Em um artigo publicado no jornal Washington Post em 16/11/2020 ( What the History of Coups Tells Us about Trump’s Refusal to Concede) poucos dias depois de Trump perder a eleição, Finchelstein  alertou para a possibilidade de uma tentativa de golpe  caso ele continuasse a não aceitar o sua derrotada, como de fato aconteceu, com a invasão do capitólio no dia 5 de janeiro de 2021(e que na eleição de 2024 repetiu que não aceitaria o resultado se ele não fosse o vencedor) e argumentou que “Trump estava deixando de ser um típico populista de direita e se tornando um fascista – uma grave ameaça à nossa democracia”.  Além de enfatizar a importância de se contrapor aos aspirantes a fascistas (e  seus apoiadores), ao mesmo tempo serve de alerta para a necessidade de se interromper o caminho rumo ao fascismo “antes que seja tarde demais”. Embora representem um perigo real  para a democracia esse processo não é irreversível, nem imune a resistência das forças antifascistas, que precisam e devem ser unir em defesa da democracia, como ocorreu  no  México em junho de 2024 com a vitória de Claudia Sheinbaum e no Uruguai com a eleição de Yamandú Orsi  com a Frente Ampla, no dia 24 de novembro de 2024, derrotando a direita e com o retorno da esquerda ao governo.

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