Presidente Joe Biden responde a perguntas de jornalistas, afirma que completará o trabalho que começou e faz balanço positivo do seu mandato. Horas depois de trocar os nomes de Zelensky e de Putin, ele confunde Kamala Harris com Trump
Com 57 minutos de atraso, Joe Biden, 81 anos, entrou na sala do Centro de Convenções Walter E. Washington, às 19h27 (20h27 em Brasília) desta quinta-feira (11/7), para o compromisso mais tenso dos últimos dias: enfrentar as perguntas de jornalistas sobre a viabilidade de sua candidatura à reeleição e sobre uma possível substituição pela vice, Kamala Harris. Minutos antes, o presidente dos EUA tinha cometido uma gafe que não passou despercebida. Em discurso ao fim da cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), também em Washington, chamou o colega ucraniano Volodymyr Zelensky de Vladimir Putin.
Antes de responder aos repórteres, Biden fez um balanço sobre a reunião da aliança militar ocidental e destacou os pontos positivos de seu governo, como a queda da inflação, o controle da fronteira e a mediação para um cessar-fogo em Gaza. E foi direto: “Sou a pessoa mais qualificada para concorrer à Presidência; eu o fiz uma vez e o farei novamente”. “Estou nisso para completar o trabalho que comecei.”
De acordo com Biden, a ideia de que senadores e deputados estão preocupados com a corrida eleitoral não é incomum”. Nos últimos dias, um número crescente de congressistas e de doadores de campanha lhe pediram que abandonasse a disputa. Depois da entrevista, o deputado democrata Jim Himes, que ocupa um alto posto no Comitê de Inteligência da Câmara dos Representantes, pediu a Biden que renuncie à reeleição.
Ao ser perguntado sobre o que pensa de Kamala Harris como possível candidata à Casa Branca, o presidente cometeu nova gafe, ao chamá-la pelo nome do adversário republicano. “Eu não teria escolhido Trump como vice-presidente se eu não achasse que ela não era qualificada para ser vice”, comentou. Antes mesmo da entrevista, durante seu pronunciamento, Biden tinha sinalizado que não desistirá da campanha. “O futuro da política externa americana depende do povo. É uma questão de segurança nacional. (…) Não vamos nos dobrar a Putin”, avisou.
Ele repetiu que é “a mais qualificada pessoa para o trabalho” e para evitar “que a Ucrânia caia”. Minutos antes do teste de fogo, Biden tinha apresentado o colega ucraniano, Volodymyr Zelensky, como o líder russo, Vladimir Putin, durante cerimônia de encerramento da cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Washington. “E, agora, quero ceder a palavra ao presidente da Ucrânia, que tem tanta coragem quanto determinação. Senhoras e senhores, o presidente Putin”, declarou o democrata, que se afastou do microfone e, ao perceber a gafe, se corrigiu: “Ele vai derrotar o presidente Putin, o presidente Zelensky. Estou tão focado no presidente Putin, estamos todos preocupados com isso (a Rússia)”. Foi o bastante para a imprensa sublinhar o equívoco.
“Situação precária”
Ao fim da entrevista, Biden reconheceu que é testado “todos os dias” e submetido a avaliações neurológicas. “Se meus neurologistas dissessem que preciso fazer mais exames, eu os faria.” Joe Navarro — ex-membro fundador do Programa de Análise Comportamento do FBI (a polícia federal dos EUA) e autor de 14 livros sobre comportamento humano, incluindo O dicionário da linguagem corporal — disse ao Correio que não avaliaria os deslizes verbais. Mas, reconheceu a situação “precária”de Biden.
“Não importa quão bem ele tenha se saído hoje (ontem), nem quão poderosos tenham sido sua voz e seus gestos, não podemos ignorar a segunda lei da termodinâmica: todas as coisas tendem à entropia, não sabemos quando. O que sabemos é que nunca podemos tornar-nos mais jovens.”
Professora de estudos presidenciais da Universidade da Virgínia, Barbara A. Perry admitiu ao Correio que a quantidade de pressão sobre Biden é “considerável”. “Ela vem de membros do Congresso, de líderes do Partido Democrata, da imprensa e dos eleitores”, afirmou. De acordo com Perry, Kamala tem sido mencionada com frequência como potencial substituta para a nomeação democrata. “Ela teria grande chance de derrotar Trump. As perdas que Kamala poderia sofrer entre americanos brancos poderiam ser compensadas com forte presença entre os negros”, avaliou.
Para a estudiosa, Kamala removeria as preocupações dos cidadãos sobre a idade e a saúde do presidente. “O nome dela injetaria o entusiasmo que falta entre democratas e independentes. Um candidato a vice para compor uma chapa com ela seria o governador de Kentucky, Andy Beshear, ou o governador da Carolina do Norte, Roy Moore”, disse Perry.
Joe Navarro, ex-membro fundador do Programa de Análise Comportamental do FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, e autor de 14 livros sobre comportamento humano
Como o senhor avalia o comportamento de Biden durante a entrevista coletiva de hoje (ontem)?
Se ele tivesse sido tão dinâmico e tão enfático, durante o debate com Trump, todas as questões que foram levantadas nas últimas duas semanas teriam sido evitadas. Foi uma mudança dramática em sua postura, no semblante, na cor da sua pele e na sua capacidade de envolver os outros. Ele cometeu deslizes vernais, os quais não abordarei. Em seus comentários preparados, ele estava na sua melhor performance.
Em termos gerais, ele demonstrou firmeza ao responder às perguntas?
Na hora de responder perguntas, ele adotou uma voz baixa, mais passiva, o que seria bom em circunstâncias normais. No entanto, esse método funcionou contra ele, durante a entrevista. Falar dessa forma requer uma técnica sutil, mas não pode ser o que os indecisos ou os tênues buscam. Ele respondeu rapidamente e com detalhes, quando questionado. Não hesitou em corrigir um repórter quando ela disse algo com o que ele não concordou. Quando questionado sobre várias perguntas não relacionadas, ele se esforçou um pouco para responder, gaguejou e confundiu suas declarações. É algo esperado depois de um longo dia conversando com pessoas, mas foi aí que ele pareceu menos eficaz e menos hábil cognitivamente. Ele simplesmente não é fluido e isso costuma ser notado. (RC)
Para 67% dos americanos, Biden deveria sair
Uma pesquisa Ipsos publicada pelo jornal The Washington Post e pela emissora ABC News não mostra queda nas intenções de voto a nível nacional desde o debate de 27 de junho entre o presidente democrata e o antecessor republicano: Joe Biden e Donald Trump estão empatados com 46%, cada. Mas 67% dos entrevistados acreditam que Biden deveria retirar sua candidatura. Entre os eleitores democratas, 56% pensam assim. Outra sondagem, divulgada ontem pelo Pew Research Center, aponta que 63% dos norte-americanos consultados consideram tanto Biden quanto Trump candidatos embaraçosos. Menos de um quarto dos entrevistados (24%) classificam Biden como “mentalmente perspicaz”, enquanto 48% pensam o mesmo sobre Trump.