Sem reavaliação formal do Orçamento, governo vai liberar R$ 5,6 bi após cortar verba de ciência e cultura
O presidente Jair Bolsonaro (PL) editou nesta terça-feira (6) um decreto que vai permitir acelerar a liberação de emendas de relator, usadas como moeda de troca nas negociações com o Congresso Nacional, a menos de um mês das eleições.
Segundo técnicos do governo ouvidos, a manobra vai permitir um desbloqueio imediato de R$ 5,6 bilhões no Orçamento de 2022. O decreto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União.
Boa parte da verba vai irrigar as emendas de congressistas aliados às vésperas do pleito. Outra parcela deve ser usada para aliviar a compressão sobre despesas discricionárias do Poder Executivo, que incluem custeio e investimentos.
A divisão exata dos valores está sendo mantida sob sigilo pelos técnicos, dada a sensibilidade do tema. Em julho, quando quase metade dos R$ 16,5 bilhões em emendas de relator foi bloqueada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que controla parte das verbas, reclamou com o Palácio do Planalto.
O decreto permite ao governo incorporar à execução orçamentária, de forma antecipada, os efeitos de regras legais implementadas após a edição mais recente do relatório bimestral de receitas e despesas.
Na prática, o Executivo poderá remanejar desde já o espaço fiscal criado após a manobra de Bolsonaro para cortar verba da ciência e cultura para desbloquear o Orçamento, movimento revelado pela Folha.
Em 29 de agosto, o presidente editou duas MPs (medidas provisórias), uma delas para limitar a R$ 5,6 bilhões os gastos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em 2022.
Outra MP adiou os repasses das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, de auxílio à cultura em estados e municípios, e do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), aprovados pelo Congresso como resposta à crise causada pela pandemia de Covid-19 nesses setores.
Sem o decreto, as regras orçamentárias obrigavam o governo a elaborar um novo relatório de avaliação do Orçamento. A próxima edição está programada apenas para 22 de setembro —o que deixaria pouco tempo para a liberação das emendas antes das eleições em 2 de outubro.
O Ministério da Economia pode elaborar relatórios extemporâneos sempre que julgar necessário, mas essa tarefa exige um esforço de toda a Esplanada dos Ministérios no envio de informações atualizadas, incluindo projeções de inflação, crescimento, previsão de despesas com benefícios previdenciários e assistenciais, entre outros.
No decreto desta terça, Bolsonaro dispensa a elaboração do relatório sempre que atos legais não considerados no documento anterior demandarem a “adoção de providências”, desde que a decisão tenha passado pela JEO (Junta de Execução Orçamentária), colegiado formado pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Ciro Nogueira (Casa Civil).
Segundo relatos, o decreto foi editado para “dar o conforto necessário” aos técnicos na liberação desses recursos sem a necessidade de um novo relatório. Havia pressão da cúpula do Congresso para destravar logo a verba.
“A medida possibilita a realização de bloqueio e desbloqueio de dotação orçamentária prevista na Lei Orçamentária de 2022, e suas alterações, antes mesmo da apuração bimestral ou extemporânea de todas a despesas primárias obrigatórias ou de outros fatores que afetam o resultado que estão sujeitos aos limites do teto de gastos”, diz a Secretaria-Geral da Presidência da República em nota.
Em 22 de setembro, o próximo relatório vai detalhar todas as mudanças, mas o efeito da liberação já terá sido absorvido pelos órgãos e pelos parlamentares agraciados com as emendas.
O governo tem hoje R$ 12,7 bilhões em despesas bloqueadas para evitar um estouro do teto de gastos, regra fiscal que limita o avanço das despesas à inflação. Desde valor, cerca de R$ 8 bilhões são emendas de relator.
Segundo técnicos do governo, há a expectativa de que a liberação imediata de parte dessas emendas permita aos congressistas realizar o empenho da verba antes das eleições. O empenho é a primeira fase do gasto, quando a administração pública estabelece um compromisso com a contratação de determinado bem ou serviço.
Segundo entendimento da AGU (Advocacia-Geral da União), no período que antecede as eleições, o governo pode adotar “atos preparatórios” à execução das emendas, o que inclui a assinatura de convênios. Na interpretação de alguns técnicos, o empenho da despesa também é um ato preparatório, uma vez que não há repasse financeiro.
Embora o decreto de Bolsonaro tenha como efeito imediato a liberação de verbas, integrantes da equipe econômica alertam que a norma também permite a incorporação imediata de impactos no sentido contrário, ou seja, que obriguem o governo a cortar despesas.
Caso o Congresso aprove uma medida que eleve gastos do Executivo, a Economia poderá, pela nova regra, fazer o bloqueio imediato de verbas para compensar esse aumento de despesa.
Folha