Sanduíche natural, empada, trufa, brownie, cuscuz, pastel e até pão caseiro. O que você procurar, deve encontrar na UFRN. Com o retorno das aulas presenciais na universidade, em 28 de março, uma prática antiga retornou: a do comércio informal entre os alunos. Entre os motivos descritos, estão a crise financeira — que acendeu a necessidade de adquirir uma renda extra — e o número reduzido de cantinas na UFRN. Algumas delas não tiveram o contrato renovado para 2022 e não reabriram.
Os alunos também reclamam do acesso limitado ao Restaurante Universitário (RU). O espaço voltou a funcionar em 2 de maio, mas não para todo mundo. Neste primeiro momento, apenas os alunos considerados prioritários podem fazer refeição no local, como almoço e janta. Assim, uma série de outros estudantes fica sem acesso a alimentação disponibilizada pela universidade.
Pedro Rocha é ex-estudante de Ecologia e começou a vender sanduíche natural vegano na UFRN há cerca de um mês. Passeia pelo Centro de Biociências, Setor IV, V e outros, sempre em busca de clientes. O trabalho, segundo ele, vem como “uma forma de elevar minha renda, pela necessidade maior que eu tenho atualmente”. Ele acredita que o número de vendedores informais no campus cresceu. “Eu tenho certeza que aumentou devido a ter menos cantinas do que havia antes, e não ter o RU. De início, nas primeiras semanas, não havia
vendedores, porém com o passar do tempo encheu”, afirma.
Para se destacar, ele aposta até na criatividade. Com um visual que lembra Salsicha, do desenho Scooby-Doo, seus dois sanduíches levam o nome dos personagens do desenho, Scooby e Velma. A ideia, diz, é ter cinco sabores diferentes em breve, cada um representando um personagem. “É uma ideia de marketing, de fazer algo diferente. Mas minha maior preocupação com as vendas é manter a qualidade e o preço baixo”, diz. Em média, Rocha faz entre 30 e 35 sanduíches por dia, e consegue vender todos diariamente.
Junto com Pedro anda também o amigo Lucas Oliveira. Ex-aluno de História da UFRN e formado em Gastronomia, ele vai ao campus somente para vender seus brigadeiros, que custam R$ 1,50. Entre os motivos de frequentar os setores da universidade, diz que conhece “o ambiente, as pessoas, e o poder aquisitivo do pessoal”. De acordo com o gastrólogo, a inflação é outro motivo que faz recorrer aos corredores da UFRN. “Eu sei da realidade das cantinas, do RU, e como a pandemia trouxe essa elevação de preços. E o estudante não tem muito dinheiro às vezes até para pagar xerox”, aponta.
Fechadas
Se a inflação atinge os estudantes e os fazem procurar alternativas mais baratas como o comércio informal, os proprietários também reclamam dos altos preços. Gilceli de Souza Oliveira é filha de um proprietário que possui contratos para operar em três cantinas na UFRN, no Setor I, III e V. Só no Setor I, seu pai está lá há 23 anos. Oliveira diz que sentiu o aumento do comércio entre estudantes na UFRN: “já era bem forte antes com os ambulantes, mas agora com os alunos aumentou bastante”. O mais prejudicial para ela, entretanto, não foram os estudantes, e sim os aplicativos de entrega (“o pessoal já está habituado”) e aqueles que trazem a própria comida de casa.
Outro motivo de reclamação, diz, foram os reajustes exorbitantes no preço dos aluguéis dos pontos de alimentação. “A gente pagava um aluguel de R$ 1.800, lá em cima [no setor I] está pagando R$ 10.600 só o aluguel, fora água e luz”. O aumento para a comerciante foi de 488%. A alternativa, assim, foi reajustar também o valor das comidas. “Infelizmente não tem como não ter, porque além dos alimentos, a matéria-prima pra gente está muito cara, como está pra todo mundo, não só para a gente”, reclama. Além do valor de quase 11 mil reais na cantina do Setor I, ela diz que o aluguel no ponto do Setor V é de R$ 8.600. Com os preços nas alturas, a comerciante diz que a disputa com os alunos é uma “concorrência desleal”. Ela, porém, reconhece a necessidade dos estudantes e diz que busca um diálogo com a Pró-Reitoria de Administração (PROAD) para baixar os preços das mensalidades.
Segundo a pró-reitora de Administração, Maria do Carmo Araújo, a universidade atuou nos últimos anos para coibir o comércio de ambulantes. “A gente fez um trabalho entre 2015 e 2016 para regularização da oferta de alimentos dentro da universidade”, afirma a gestora. “Existia à época um movimento muito forte de venda de alimentos na categoria de ambulantes, de forma que a gente conseguiu tornar a oferta de alimentos mais regular, através das cantinas e quiosques”, completa a pró-reitora.
Hoje, porém, 50% dos quiosques e cantinas estão fechados, entre espaços do campus central e do interior, de acordo com a Reitoria da UFRN. São nove cantinas e três quiosques desocupados. Por outro lado, há hoje 10 cantinas abertas e dois quiosques com ocupação. A pasta reconhece a diminuição na oferta alimentar. “Houve a realização de um novo processo licitatório em 2021. A gente convocou todos os licitantes que ganharam para ocupar seus devidos espaços, mas nem todos ocuparam. A gente sabe que hoje a oferta através dos meios regulares é menor do que era em 2020”, disse a pró-reitora.
“Entre 2016 e 2020 esse comércio não estava acontecendo. A gente também ingressou com uma ação na Justiça, fez um trabalho de identificação das atividades de ambulantes, fez notificações, e como não houve a retirada de todos eles a gente fez esse acompanhamento através de um processo judicial”.
Ela, porém, diz que os alunos não foram os alvos dessa proibição. “Não era o comércio entre estudantes. Era realmente de pontos instalados, como verdadeiras estruturas com trailer, com um pequeno espaço, explorando sem uma prévia autorização da universidade”, afirma. Para ela, a ação é “diferente de um estudante que está lá com uma caixinha de trufa e sai vendendo no seu corredor ou ambiente da sala de aula”.