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Delegado que levantou informações para dossiê ilegal do governo Bolsonaro pode retomar cargo no Ministério da Justiça

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Documentos obtidos pelo Brasil de Fato mostram que o delegado da Polícia Federal que chefiou a área que fez buscas e até um dossiê sobre o grupo policiais antifascistas durante a gestão de Sérgio Moro no Ministério da Justiça pode voltar a comandar o mesmo órgão, agora no governo Lula. 

Trata-se de Fabio Galvão da Silva Rêgo, que foi Diretor de Inteligência da Secretaria de Operações Integradas (Seopi) do Ministério da Justiça entre fevereiro e maio de 2020. Sua nomeação para retomar o posto neste ano foi solicitada pelo Secretário Nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar, em ofício encaminhado ao secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, em 28 de novembro deste ano. O nome já foi encaminhado para a Casa Civil, que avalia a nomeação.

Fabio Galvão deixou o posto antes que o dossiê, que mapeou 579 policiais e professores públicos antifascistas, fosse concluído. O documento, que veio a público graças à imprensa, foi concluído em junho de 2020, e sua revelação levou à abertura de uma sindicância no Ministério da Justiça no mesmo ano e a uma ação movida pelo partido Rede Sustentabilidade no Supremo Tribunal Federal. Em 2022 a corte entendeu que a produção do dossiê era ilegal.

Já a sindicância foi arquivada em junho de 2021 sem punir ninguém, pois a Corregedoria do Ministério da Justiça entendeu que não havia “justa causa” para punir nenhum servidor pelo episódio. Em paralelo ao dossiê que veio à tona, porém, documentos a que o Brasil de Fato teve acesso mostram que antes de o levantamento principal ser produzido, Fábio Galvão já estava monitorando o grupo de policiais antifascistas e determinou uma busca de informações sobre o movimento no Rio de Janeiro em 24 de abril de 2020.

O próprio Fabio Galvão prestou depoimento à sindicância interna do ministério no dia 5 de novembro de 2020, quando já não estava mais no posto. Na ocasião, admitiu ter pedido buscas à área de inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre o grupo “policiais antifascistas”, mas negou motivação política e disse na época que não se lembrava quais desdobramentos o caso teve após ter recebido a resposta da Polícia Civil do Rio, que foi encaminhada à Seopi em 28 de abril daquele ano, quando ele ainda estava no posto.

Depoimento de Fábio Galvão à sindicância interna do MJ sobre a produção do dossiê sobre os policiais antifascistas (o nome dele foi tarjado pelo governo federal ao responder o pedido de acesso via Lei de Acesso).

Após ele deixar o posto, o coronel Gilson Libório Mendes assumiu a Diretoria de Inteligência, já quando Moro não era mais ministro da Justiça. Ele acabou caindo após o episódio do dossiê de junho ser revelado pela imprensa. O Brasil de Fato também teve acesso ao pedido de busca e à resposta das autoridades fluminenses de abril de 2020, dois meses antes do dossiê principal que ficou conhecido ser produzido.

Monitoramento teria começado em abril

O próprio dossiê produzido em junho aponta que o monitoramento de policiais antifascistas já estava sendo feito em abril de 2020, época que Fabio Galvão comandava a área de inteligência da Seopi.

“Diante dos acontecimentos expostos cronologicamente, podendo, nesta breve análise, não ter sido referenciado algum outro evento, frisa-se que esta pasta bem acompanhando, desde o dia 24ABR2020 o movimento denominado Policiais Antifascistas , que envolve ao menos 17 estados, em que policiais ou agentes públicos ligados a segurança pública posicionam-se em favor desta causa através de redes sociais como Facebook, Instagram, Twitter e Youtube”, diz trecho do dossiê ao qual o Brasil de Fato teve acesso.

Questionado sobre a data citada no dossiê, o Ministério da Justiça disse por meio de sua assessoria de imprensa que a sindicância interna da pasta isentou Fabio Galvão da produção do documento e que, em 24 de abril daquele ano, foi produzido um outro relatório de inteligência por uma subunidade da Seopi do Rio Grande do Norte para analisar as possíveis manifestações de grupos antagônicos naquele estado.


“O referido Relint (sigla para relatório de inteligência) do dia 24 de abril de 2020 foi produzido por uma unidade descentralizada da Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública, por iniciativa daquela própria unidade”, disse a pasta.

Naquele mesmo dia 24 de abril, porém, foi emitido um pedido de buscas da Diretoria de Inteligência, na época chefiada por Fabio Galvão, para a Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro, pedindo um levantamento de informações sobre “Conhecimentos relacionados ao Movimento Policiais Antifascismo no Rio de Janeiro e em outras unidades da federação”.

O fato chegou até a ser mencionado pelo ministro do STF Gilmar Mendes durante o julgamento que considerou o dossiê antifascista ilegal, segundo reportagem do Uol divulgada na época do julgamento. “Foi elaborado documento intitulado pedido de busca na data 24 de abril de 2020 no qual solicita-se informação do movimento antifascista e de agentes de segurança pública no Rio de Janeiro e em outros estados”, disse o ministro.

“É importante que a data de 24 coincide com o último dia da gestão do ex-ministro Sergio Moro no Ministério da Justiça, ou seja dias antes da nomeação do doutor André Mendonça”, seguiu o magistrado.

Monitoramento de policiais filiados ao PSOL

Os pedidos de busca são uma prática comum na Seopi para levantar informações junto a outros órgãos para a produção dos relatórios de inteligência feitos para subsidiar os gestores públicos na tomada de decisões. No caso deste pedido, de número 069/2020, são solicitadas as seguintes informações em relação aos integrantes do movimento “policiais antifascismo” do Rio de Janeiro:

“Nível de adesão total e por categoria e principais lideranças; Pautas reivindicatórias e organização; Vinculações políticas; e outros dados julgados úteis”. Na resposta, a Secretaria de Polícia Civil do Rio encaminha um documento de 9 páginas detalhando a atuação do grupo. “Informações indicariam que XXXXXXX XXXXXXX administraria a página do grupo ‘policiais antifascistas’ no Facebook, juntamente com sua companheira, a policial civil XXXXX XXXXXX XXXXX XX XXXXXXXX*, além de ser 1º secretário da LEAP BRASIL (Associação dos Agentes da Lei contra a Proibição)”, diz trecho do documento, que chega a afirmar que a adesão dos policiais civis ao movimento “tem se mostrado baixa”.

Em seu depoimento na sindicância, Fábio Galvão disse que pediu o levantamento de informações às autoridades do Rio após tomar conhecimento do relatório que citava a atuação do grupo antifascista no Rio Grande do Norte.

“Quanto aos fatos ocorridos no nordeste, foi informado por meio do Relint 67/2020 e, logo na sequência, determinou a produção do PB 69/2020 (sigla para pedido de buscas) dirigido ao Rio de Janeiro. Que esclarece que pode ter lido o relint 67/2020 no sistema Cronos (sistema interno de arquivos da Seopi) e de imediato determinado a produção do PB 69/2020 para o Rio de Janeiro, embora o Relint 67/2020 tenha sido difundido (finalizado) em 27/04/2020; Que como era Subsecretário de Inteligência do Rio de Janeiro, sabia da existência de dados sobre policiais antifascistas vinculado a partido político naquele estado. Que estes policiais eram filiados e fizeram exposição nas redes sociais e a nossa preocupação era a orquestração de movimentos grevistas, sobretudo pelo Rio de Janeiro ser um estado que possui grande influência nacional, poderia fazer irradiar o movimento para todo o país”, afirmou Galvão à auditoria.

A resposta ao pedido do então diretor de inteligência foi encaminhada em 28 de abril de 2020. Nela, as autoridades fluminenses chegam a elencar uma relação de nomes de 11 policiais do movimento e que são filiados ao PSOL a partir de matérias e publicações do próprio grupo na internet. À sindicância, Fábio Galvão afirmou que não se recordava das providências que foram tomadas após terem recebido a resposta das autoridades do Rio.

Questionado no último dia 8 de dezembro sobre o pedido de buscas e a resposta da Secretaria de Polícia Civil do Rio de Janeiro e sobre por que a sindicância interna isentou Fábio Galvão, o Ministério da Justiça não respondeu até a conclusão deste texto. A reportagem teve acesso à sindicância via Lei de Acesso à Informação somente nesta segunda-feira (18).

A reportagem também questionou a Casa Civil sobre o fato de Fabio Galvão ter atuado no órgão de inteligência durante o período em que se começaram a fazer pesquisas sobre policiais antifascistas. A pasta informou por meio de nota que “não comenta especulações sobre possíveis indicações para cargos no Governo Federal”.

Estrutura mudou de nome

Com o governo Lula, a Seopi mudou de nome e passou a se chamar Diretoria de Operações Integradas. Com isso, a antiga Diretoria de Inteligência também mudou de nome e passou a se chamar Coordenação Geral de Inteligência. Na prática, porém, a estrutura segue com as mesmas atribuições.

De acordo com o Ministério da Justiça, a nomeação de Fábio é técnica e será uma troca com o atual coordenador de inteligência e também delegado da PF, Carlos Sobral. Desde outubro, Fabio ocupa o posto de coordenador-geral do Centro Integrado de Comando e Controle da Senasp, posto que passará a ser ocupado por Sobral com a confirmação da troca.

“​​​​Salienta-se que o Delegado Fábio Galvão ocupa cargo de confiança no executivo federal desde o início da atual gestão, incluindo função na alta gestão da Polícia Federal – quando exerceu o cargo de Coordenador-Geral da Apoio Operacional da Diretoria Executiva da PF. Além disso, frisa-se que o ajuste administrativo nesta Senasp visa buscar a máxima eficiência da administração pública, considerando que, como já demonstrado, o Delegado Fábio Galvão, atual Coordenador-Geral do Centro Integrado de Comando e Controle desta Senasp, trocará de função com o Delegado Carlos Sobral, atual Coordenador-Geral de Inteligência, que tem perfil e currículo adequado para a nova função, com experiência afeta ao tema – Projetos de Tecnologia da Informação”, afirmou a pasta em nota.

FONTE: Brasil De Fato

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