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Descendentes de palestinos no RN têm pouca esperança em fim do genocídio em Gaza

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Bisneta de palestinos que vieram de Belém para o Brasil antes da Nakba, o conflito que designa o êxodo palestino de 1948, a professora do departamento de Psicologia da UFRN, Izabel Augusta Hazin, revelou que, apesar da distância de sua terra, seus antepassados a ensinaram desde cedo que “o esquecimento é um grande perigo” e que “a memória é a chave para alcançar a presença e a inclusão e de alguma forma estar/voltar para casa”.

Pernambucana de Recife, a professora vive em Natal desde 2006, quando passou em um concurso para a UFRN. Foi quando começou sua relação com o Rio Grande do Norte. Os bisavós maternos, Hissa Mussa Hazin e Hilaue Sara Hazin, eram cristãos ortodoxos que se estabeleceram no Nordeste do Brasil, inicialmente na foz do rio Parnaíba, depois na capital pernambucana. “A família Hazin se enraizou e cresceu, ao lado de outros tantos núcleos imigrantes”, conta.

A causa palestina, naturalmente, sempre ocupou um lugar de destaque para sua família. Ela diz que os Hazin sempre procuraram se “fazer presentes”, apesar da distância geográfica, cobrando do estado brasileiro “uma postura efetivamente solidária a esta causa, o que abarca igualmente uma atitude mais corajosamente crítica em relação ao estado judeu agressor”.

Hissa Mussa Hazin e Hilaue Sara Hazin, bisavós maternos de Izabel Hazin. Foto de : Jedida

O palestino brasileiro nascido em Nazaré, Muhamad Tawfik, membro do Centro Islâmico de Natal, explica que vive há quase três décadas no Brasil, onde a comunidade palestina, segundo o presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah, varia entre 270 mil e 390 mil pessoas.

Já o número de imigrantes e refugiados palestinos vivendo em nosso país é de cerca de 60 mil, a maioria morando em São Paulo (SP). No RN, segundo Muhammad Tawfik, vivem aproximadamente 200 palestinos, nenhum deles refugiados, com a terceira geração de seus descendentes. Ele disse que há alguns meses tentou trazer duas famílias palestinas refugiadas para cá, mas não teve o apoio suficiente.

Tawfik explicou que o Comitê Estadual Intersetorial de Atenção aos Refugiados, Apátridas e Migrantes do RN (CERAM-RN), criado pelo Governo do Estado, dá apoio logístico e consultivo, mas falta apoio financeiro para dar suporte a essas famílias de refugiados.

“Precisa de apoio financeiro. O Ceram dá apoio consultivo, diagnóstico e logístico, mas precisamos de dinheiro, o povo precisa ter onde morar, o que comer”, enfatizou.

Muhammad Tawfik, membro do Centro Islâmico de Natal. Foto: Arquivo

Izabel Hazin lembra que “os movimentos de saída forçada de grupos nacionais, étnicos, religiosos e raciais de sua terra de origem têm acompanhado a história da humanidade desde sempre”.

“Quem passou pelo desenraizamento forçado sabe o quão doloroso isso significa. A dor da partida, a dificuldade do acolhimento em terra estrangeira”, refletiu, acrescentando que as nações que se pretendem civilizadas precisam “levar a sério o engajamento em acolher quem foi tolhido em muitos de seus direitos de cidadania e de humanidade”.

Genocídio

Foto: Mahmud Hams/AFP

Depois do início dos bombardeios de Israel na Faixa de Gaza em outubro de 2023, em retaliação a um ataque surpresa de militantes do Hamas, estima-se que 1,4 milhão de palestinos tenham sido desalojados de suas casas.

A guerra ampliou o drama de um povo que há mais de sete décadas é expulso de seus territórios devido à ocupação e colonização israelense inciada em 1948, com a criação do Estado de Israel.

De acordo com a ONU, a guerra de Israel em Gaza “tem características de genocídio”, como já havia denunciado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que após a declaração foi massacrado pela maioria da imprensa comercial e pela extrema-direita do Brasil. O número de mortos, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, já passou de 45 mil, em sua maioria mulheres e crianças.

Mas Twafik pondera que o genocídio já estava caracterizado muito antes de atingir essa marca de 45 mil mortes. Para ele, o que está em curso é uma “limpeza étnica” promovida pelo Estado de Israel.

“Essa limpeza étnica, como diz (o historiador israelense) Ilan Pappé, não começou agora. Começou antes de 1948, acho que em 1929, quando os grupos terroristas judeus sionistas começaram a matar palestinos. Lá começou o genocídio, lá começou a limpeza étnica, agora é só a continuação. Netanyahu estava esperando um motivo, uma oportunidade para acabar com a Faixa de Gaza. Ele ganhou essa oportunidade no 7 de outubro de 2023”, avaliou, referindo-se ao dia do ataque surpresa do Hamas, estopim da guerra de Israel em Gaza.

Em tempo real

Faixa de Gaza: campo de refugiados palestinos (Foto: IBRAHEEM ABU MUSTAFA/REUTERS)

“Nunca houve, em nenhuma guerra, tantas mortes de crianças como o número que está acontecendo agora em Gaza. Eu acho que é muito importante dizer que isso não é à toa, ou seja, essa é uma estratégia deliberada de aniquilamento do povo palestino. A gente está falando de um genocídio que é televisionado, também algo inédito na história do mundo. Nós acompanhando em tempo real o que está se passando”, alertou Izabel Hazin.

Apesar de o horizonte ser pouco animador, Izabel tenta manter a esperança em um cessar fogo que interrompa o extermínio étnico em curso na Faixa de Gaza. Para a professora, “a esperança precisa persistir, pois ela é uma das vertentes mais importantes da resistência”.

Entretanto, ela pondera que essa esperança não pode ser apenas “contemplativa”, mas precisa vir “junto com o avanço das pautas de luta efetiva, nos campos diplomático, econômico, acadêmico e mesmo militar, rumo a um patamar em que as condições de sobrevida, a que tem direito a nação palestina, estejam asseguradas, rumo à etapa de reconstrução de tudo que foi sistematicamente e paulatinamente, ao longo de muitos anos, destruído, vilipendiado”.

Já Tawfik, mesmo desejando a paz, é mais cético em relação a um possível cessar fogo, porque, na visão dele, a extrema-direita israelense não quer o fim da guerra.

Para Twafik, há dois motivos que impedem o cessar fogo. O primeiro deles é o fato de que, se a guerra acabar, a mídia e o público israelense voltarão suas atenções novamente para as acusações da justiça contra o primeiro-ministro Benjamim Netanyahu. O segundo é que, se aceitar o cessar fogo, Netanyahu perderia o apoio dos ministros de extrema-direita Bezalel Smotrich (Finanças) e Itamar Ben-Gvir (Segurança Nacional), o que acabaria com seu governo.

“A extrema-direita não quer o cessar fogo e Netanyahu obedece”, sentencia Muhamad Tawfik, cuja família mora na Palestina, ao lado de Nazaré. Ele também revelou que tem primos distantes na Faixa de Gaza, mas desde o meio do ano passado, ninguém teve ais notícias deles.

“Eu não consigo falar com ninguém. Não tem mais contato, não sabemos se eles estão vivos ou mortos, não tem como se comunicar com ninguém”, lamentou.

Solidariedade Internacional

Foto: Rovena Rosa (Agência Brasil)

Em que pese a dimensão do drama humanitário vivido pelo povo árabe palestino em Gaza, Tawfik e Izabel não veem que houve um aumento da solidariedade internacional.

Para Tawfik, o povo só lembra do genocídio contra os palestinos “quando passa na TV”, mas como os veículos do mundo inteiro que cobram a guerra, incluindo os veículos árabes, estão de “cabeça baixa”, segundo ele, isso termina diminuindo o impacto da comoção internacional.

“Quando não passa nada na TV, o povo esquece, só quando alguém fica postando nas redes sociais, aí o povo levanta, solidariza, sente a dor. Até algumas semanas o povo estava comendo capim. Agora, que é inverno e chuva lá, não tem capim. Estão procurando cobras, mesmo na chuva, para comer”, denunciou.

Izabel Hazin disse que “não me parece claro que a solidariedade internacional em relação à nação palestina esteja aumentando”.

“O mundo contemporâneo é um sistema complexo, com vários atores, circunstâncias, acontecimentos recentes, que alteram as condições históricas mais estruturais. Eleições em países do hemisfério norte têm seu peso, quedas de regime idem, conflitos regionais igualmente”, analisou.

Para ela, o que a emociona é ver que a Palestina, mesmo diante da “iniciativa sistemática de aniquilamento” do seu povo, “continua contando com ela própria”. “A Palestina vive e viverá”, completou.

Ela acredita que o Brasil, apesar do muito que tem sido feito, pode fazer mais para ajudar a mobilizar o mundo a olhar para a causa palestina. Tawfik reforçou que “o único que falou em prol do povo palestino foi (o presidente) Lula”.

“Nenhum país árabe teve coragem de defender a Faixa de Gaza ou os palestinos, porque os governantes árabes, infelizmente, dizem que não é guerra contra o Islã, não é contra a Palestina, só contra a Hamas, como se o Hamas tivesse vindo da África do Sul ou da Índia”, criticou.

“Quem apoia a causa palestina é o povo de todos os países do mundo. Os governos podem votar em favor do Estado Palestino, como votaram recentemente. Mas não vai ter Estado Palestino, a gente sabe disso”, disse, em tom pessimista.

Retomada

Foto: Cedida

Na segunda quinzena de janeiro de 2025, segundo Tawfik, será reativado o Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino do RN, que já realizou algumas mobilizações de rua, mas ultimamente “está morto”, mas palavras dele.

“A gente vai tentar ressuscitá-lo, estamos marcando uma reunião para a segunda quinzena, a primeira quinzena de janeiro. Caso não dê certo, faremos um novo comitê para poder retomar as atividades”, contou.

Para ele, a iniciativa esbarra em um problema crônico do nosso país, que é o fato de “a esquerda estar sempre dividida”.

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