Episódios semelhantes, sobretudo com uso do WhatsApp, têm se espalhado por cidades de Santa Catarina ao longo do pleito
Uma mensagem compartilhada na semana passada em grupos de WhatsApp por moradores de Mafra e Rio Negro, cidades vizinhas na fronteira entre Santa Catarina e Paraná, causou não apenas prejuízo financeiro a pequenos comerciantes e profissionais liberais da região, mas gerou medo de agressões e outras formas de represálias. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL), que teve mais de 67% e 65% dos votos, respectivamente, nos dois municípios, passaram a divulgar uma lista de boicote a estabelecimentos e prestadores de serviço classificados como “esquerdistas” que as pessoas “de direita” não deveriam frequentar ou contratar.
O texto circulou para além de grupos políticos, como de times de futebol e destinados à organização de viagens, e teve grande repercussão local. A advogada Ana Carolina Moreira de Carvalho, que tem 22 anos de carreira e consta na lista de profissionais que deveriam ser boicotados, explica que a viralização trouxe prejuízos financeiros aos citados nos grupos de WhatsApp, que relatam ainda medo de seguir com a rotina na região. Parte dos afetados sequer divulgava posicionamentos políticos publicamente.
— As pessoas estão com medo de sair de casa, de fazer a rotina normal, de se manifestar. Estão com medo de represálias não só em relação ao seu ganha pão, ao seu negócio, mas também temem por sua integridade física — diz a advogada. — A lista foi tomando uma grande proporção e começou a afetar a segurança. As duas cidades têm juntas 90 mil habitantes. Todo mundo se conhece.
Ana Carolina Carvalho vai ingressar, junto com outros profissionais e comerciantes afetados, com uma ação de indenização contra quem propagou a lista e contra administrados de grupos em que o conteúdo circulou livremente. Ao menos oito disseminadores da mensagem já foram identificados.
O Ministério Público nos dois estados também foi acionado e acompanha o caso. Episódios semelhantes têm se espalhado por cidades de Santa Catarina ao longo do pleito. Listas pregando boicote já foram registradas em Papanduva, Canoinhas e São Bento do Sul.
O vereador de Rio Negro Elcio Josué Colaço (PSD) chegou a compartilhar o conteúdo. Ao GLOBO, ele afirmou que a publicação foi “um equívoco” e que tentou passar a lista para um amigo e sem querer postou o conteúdo em um grupo.
— Sou contra segregação e boicotes. Acho uma irresponsabilidade a ideia do autor da lista — afirmou.
O prefeito de Mafra, Emerson Maas (Podemos), que é apoiador de Bolsonaro e exibe fotos ao lado do presidente nas redes sociais, também repudiou a mensagem em nota enviada ao GLOBO. “Por vivermos em um país democrático e por defender a democracia, me coloco totalmente contrário a qualquer postura que hoje contraria os direitos individuais mais básicos garantidos pela constituição federal, como liberdade de expressão, escolha ideológica e política”, diz o texto. Já o prefeito de Rio Negro, James Karson Valério (PSD), não respondeu ao pedido de posicionamento.
As subseções da Ordem dos Advogados de Santa Catarina e do Paraná nas duas cidades também publicaram notas repudiando a criação e divulgação da lista no WhatsApp. “A Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de Rio Negro reafirma o repúdio à falta de respeito com a opinião e o posicionamento político de cada cidadão, que é um direito de todos afirmado nas legislações vigentes e afirma que estará vigilante para que atitudes como esta não mais se repitam, e, em prol de toda a sociedade, tomará as medidas judiciais cabíveis, a fim de fazer cessar toda e qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade”, escreveu uma das entidades em seu perfil no Instagram.