Máquinas chinesas para agricultura familiar passaram nesta sexta-feira (2) por uma primeira exibição na nova Unidade Demonstrativa Brasil-China de Máquinas Agrícolas instalada em Apodi (RN). Membros de movimentos populares operaram uma plantadeira, uma colheitadeira e drones, após receberem nos últimos dias treinamento de professores e técnicos chineses.
Maria da Saúde Gomes, do setor de produção do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), explicou que a demonstração de hoje é apenas um passo. “A ideia é testar essas máquinas que vem na China no nosso campo, na região parte de semiárido”, disse.
A Unidade Demonstrativa será esse espaço para teste e estudo do uso das máquinas em solo nordestino. Possíveis melhorias e adaptações serão analisadas. Segundo Gomes, o objetivo é já ter os primeiros apontamentos em seis a oito meses, apesar de o período completo de testagem estar estabelecido em dois anos.
“Essas máquinas são adequadas à agricultura camponesa pelo seu tamanho, pelo seu porte, e pelo seu desempenho em pequenas áreas, uma vez que a China também tem um campo de pequenas áreas. Os dados com que eles trabalham é de aumento de produtividade de 20%”, explica Gomes, destacando porém que ainda é cedo para determinar se serão atingidos resultados iguais aos do país asiático.
A expectativa é de que, até o final do ano, uma fábrica possa ser instalada no Nordeste para produzir em solo brasileiro as novas máquinas, com os ajustes feitos.
“A ideia é que elas possam se adaptar em outras regiões, para o todo da agricultura familiar”, afirmou Márcio Melo, membro da direção nacional do MST no Rio Grande do Norte.
Parceria entre China, Brasil, Consórcio Nordeste e movimentos populares
A exibição das máquinas marca um novo passo na cooperação entre os dois países, conforme destacou o embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao. “Nossas relações diplomáticas já completam 50 anos e estamos mirando nos próximos 50 anos”, disse ao Brasil de Fato. “Isso vai ajudar a desenvolver a agricultura dos dois países, a garantir a segurança alimentar, a reduzir a pobreza, que é a tarefa comum entre nós dois.”
Autoridades presentes no evento, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), e o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira (PT), destacaram a importância do Consórcio Nordeste e dos movimentos populares para a realização dessa parceria.
“Não tem política bem-sucedida sem participação dos movimentos sociais”, disse Teixeira. “O MST é quem sugeriu e ajudou a viabilizar essa parceria.”
Márcio Melo, do MST, explicou que a instalação da Unidade Demonstrativa no estado está ligada a atuação do movimento. “Desde as brigadas que encaminhamos de nossos militantes para China, que abriram essa portaria por meio do consórcio nordeste e do governo chinês”, disse. “E pela proximidade do governo com o movimento, por ser um governo popular.”
O acordo teve início em 2022, quando o Consórcio Nordeste assinou um memorando de entendimento com o Instituto Internacional de Inovação de Equipamentos Agrícolas e Agricultura Inteligente da Universidade Agrícola da China, e a Associação de Fabricantes de Máquinas Agrícolas do país. Também foi assinado pela Associação Internacional para a Cooperação Popular (conhecida como Baobá).
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, não compareceu à cerimônia, porém enviou um vídeo em que destacou o investimento de R$ 11,8 bilhões para aquisição desses equipamentos, através do programa Mais Alimentos.
Também estiveram presentes representantes de entidades sindicais, movimentos populares e outros dirigentes do próprio MST.
Foco agroecológico
“A agricultura familiar é responsável por mais de 70% dos alimentos que chegam à mesa do brasileiro, e a do nordeste por mais de 50% dessa produção. Imagina dispondo desses equipamentos!”, conjecturou a governadora Fátima Bezerra em conversa com jornalistas.
Economista e um dos mais destacados dirigentes do MST, João Pedro Stedile também falou sobre a importância dos agricultores familiares, sobretudo diante do agronegócio, chamado por ele de “projeto do capital” para o campo. “O agricultor familiar é quem produz emprego, quem dá emprego para sua família e para um monte de gente, é quem defende a natureza.”
Stedile falou também sobre o futuro que vislumbra, com mais fábricas instaladas por empresas chinesas no nordeste, inclusive para produção de fertilizantes orgânicos. “Na China tem 1,2 mil, que fazem adubo com o que sobra das famílias, dos restaurantes.”
O economista acredita que os funcionários dessas indústrias, como no modelo chinês, deverão ser filhos de camponeses e assentados, “para ter renda e não sair da roça”.
Em seu discurso, Stedile elogiou ainda o ponto de partida ser no estado do Rio Grande do Norte. “Foi aqui que o Paulo Freire começou o programa de alfabetização de adultos que correu o mundo. E vai ser aqui que a gente vai inaugurar a primeira fábrica de máquina agrícola para agricultura familiar.”