O governo Bolsonaro, entre 2019 e 2022, gastou R$ 794,9 bilhões acima do Teto de Gastos, segundo um levantamento feito pelo economista Bráulio Borges, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE).
No total, foram R$ 53,6 bilhões em 2019, R$ 507,9 bilhões em 2020, R$ 117,2 bilhões em 2021 e serão R$ 116,2 bilhões neste ano, segundo os cálculos de Bráulio Borges. A maior parte foi empenhada devido às despesas com a pandemia de covid-19. Mas a flexibilização já começou em 2019, no primeiro ano do mandato, quando ainda não havia pandemia.
As despesas fora do teto de Bolsonaro
2019: Já no primeiro ano de governo, o teto de gastos gerava atritos dentro da gestão Bolsonaro. Em setembro de 2019, o presidente chegou a defender a flexibilização do limite constitucional.
Naquele momento, havia um debate sobre o risco de paralisação da máquina pública devido ao limite de despesas imposto pelo teto. Como algumas despesas obrigatórias seguiam crescendo automaticamente, caso das aposentadorias, a regra do teto exigia que outras fossem cortadas, ameaçando o funcionamento de serviços públicos essenciais.
Nesse contexto, o presidente respondeu “que era questão de matemática”, quando foi questionado sobre a necessidade de mudar a regra.
Apesar disso, já em 2019 o governo “furou” o teto. Naquele ano, o Congresso alterou a Constituição para permitir que o governo transferisse para Estados e municípios cerca de R$ 46 bilhões relativos à arrecadação com cessão onerosa (leilão para exploração de campos de petróleo).
Além disso, em 2019 o governo registrou fora do teto a capitalização da Emgepron, estatal ligada à Marinha, em R$ 7,6 bilhões, com objetivo de usar esses recursos na compra de novos navios.
2020: Em maio de 2020, com o Brasil e o mundo enfrentando a grave crise de covid-19, o Congresso aprovou o chamado Orçamento de Guerra, que suspendeu o teto no caso de gastos relacionados à pandemia.
Naquele ano, foram gastos R$ 507,9 bilhões fora do limite constitucional. Esses recursos cobriram despesas como recursos extras para o Sistema Único de Saúde (SUS), o programa de redução de jornada de trabalho para evitar demissões em empresas, compensações a Estados e municípios que tiveram forte perda de arrecadação, e o Auxílio Emergencial de R$ 600, que substituiu o Bolsa Família.
Depois, quando novas ondas da covid ganharam força no ano seguinte, parte dessas despesas foi novamente liberada acima do teto em 2021, somando R$ 117,2 bilhões, segundo o levantamento de Borges.
Além da pandemia, a gestão Bolsonaro também usou a guerra da Ucrânia como justificativa para ampliar as despesas acima do teto em 2022. Segundo o governo, o conflito, iniciado em fevereiro deste ano, teve reflexos na inflação brasileira, afetando os mais pobres.
2021: No final de 2021, o governo conseguiu que o Congresso aprovasse a chamada PEC dos Precatórios, com objetivo de abrir espaço no Orçamento para manter o Auxílio Brasil em R$ 400 reais neste ano.
A PEC trouxe duas medidas. Um delas foi alterar o cálculo do teto de gastos. A regra original estabelecia que o valor autorizado para as despesas do governo era atualizado pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. Funcionava assim porque o Orçamento é formulado ao longo do segundo semestre do ano anterior. Dessa forma, isso era feito já com a informação exata do reajuste do teto.
Com a mudança proposta pelo governo Bolsonaro, o reajuste do teto passou a ser fixado com a inflação acumulada até dezembro. Ou seja, o Orçamento agora começa a ser formulado com base na inflação esperada para o ano e ao final isso é ajustado, caso necessário.
O governo adotou essa mudança porque já se projetava que a inflação fecharia 2021 mais alta do que o acumulado em 12 meses até junho daquele ano. Essa manobra permitiu ao governo gastar em 2022 R$ 26 bilhões a mais do seria autorizado pela regra original do teto, aponta o levantamento do economista.
Além disso, a PEC autorizou o atraso no pagamento de precatórios (dívidas da União com pessoas e empresas já reconhecidas pela Justiça). O adiamento desses gastos abriu uma folga de mais R$ 49 bilhões no teto.
2022: Em julho deste ano, o Congresso aprovou a chamada PEC Kamikaze, autorizando uma série de de benefícios acima do limite constitucional, como o aumento do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600 e novos auxílios para caminhoneiros e taxistas.
Foi necessário modificar a Constituição, não só devido ao limite do teto, mas para contornar também a legislação eleitoral, que veda a criação de benefícios às vésperas da eleição.
Borges calcula que serão gastos R$ 41,2 bilhões acima do teto até o final deste ano, devido à PEC Kamikaze. Somando isso ao atraso dos precatórios e a mudança do cálculo do teto, o governo terá usado R$ 116,2 bilhões acima do que a regra original permitiria para este ano.
A questão não é econômica:
Neste último ano, de campanha eleitoral, os excessos foram realizados para bancar a expansão dos benefícios sociais, como o aumento do Auxílio Brasil e os vales para taxistas e caminhoneiros. Para Borges, o objetivo desses últimos gastos foi impulsionar a reeleição de Bolsonaro.
Agora, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenta aprovar no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de transição para deixar o Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família, e o aumento real do salário mínimo fora do Teto de Gastos. O valor solicitado de R$ 198 bilhões, um quarto do que foi gasto por Bolsonaro, é considerado exagerado pelo mercado financeiro.
O “furo” no teto também prevê gastos com outros programas sociais, que não foram incluídos na proposta de Lei Orçamentária para 2023 enviada este ano para o Congresso. “Aos críticos vai aí uma informação. Orçamento de 2023 de Bolsonaro não tem recurso previsto pra merenda escolar, Farmácia Popular, creches e auxílio de 600 reais. Estamos trabalhando para reverter a terra arrasada que estamos encontrando e colocar o povo no orçamento”, argumentou a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, em seu perfil no Twitter.