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Como mudanças na China podem afetar o agronegócio e a economia do Brasil

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Para a próxima década, a China aposta na produção interna e no desenvolvimento de novos produtores para evitar ficar na mão de poucos players

O crescimento chinês na casa dos dois dígitos pode ter ficado no passado. Pelo menos é o que indicam dados do Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China (Mara) e a Academia de Ciências do Agronegócio da China (CAAS). Eles apontam para um crescimento que deve cair à metade do que foi registrado nas últimas décadas, com uma média de 4,9% até 2030.

Os números levantaram dúvidas sobre a capacidade de a China absorver a produção brasileira como faz hoje. O gigante asiático, maior parceiro comercial do Brasil, comprou 32,3% de tudo que o país exportou em 2020.

Especialistas não acreditam que a China vá reduzir sua demanda por produtos importados. A principal preocupação para os produtores brasileiros deve ser o aumento da concorrência por um pedaço do mercado chinês.

Aumento da concorrência

Alguns produtos devem enfrentar uma concorrência da produção interna da China, especialmente a carne de porco. “Por conta da gripe suína, houve uma redução de produção chinesa e aumento de importação do Brasil. Essa produção vai ser reposta nos próximos anos”, diz Welber Barral, sócio-fundador da BMJ Consultores Associados e ex-secretário de Comércio Exterior do Brasil.

Ainda que a demanda por carne suína ao final de 2021 aumente 16,5%, como espera a China, a importação dessa proteína deve cair 13,4% por conta da retomada da produção interna. O mesmo vale para a carne de frango, com 35,5% de redução nas importações ao fim deste ano, segundo o relatório China Agricultural Outlook da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a InvestSP.

A expectativa é que a queda na dependência desse tipo de importação seja estrutural, o que deve reduzir as exportações de proteína animal para a China, não só do que vai do Brasil, mas de qualquer lugar do mundo.

A soja, produto mais vendido hoje do Brasil para a China, também pode enfrentar concorrência. Em 2020, mesmo com a pandemia, a produção anual de grãos da China alcançou 669,5 milhões de toneladas, um aumento de 0,9% em comparação à produção de 2019. Em paralelo, o consumo de milho e soja, ainda vai crescer 2,4% e 0,7%, respectivamente.

Além disso, é possível que parte dessa demanda seja absorvida por um produtor inesperado, a África, que tem recebido investimentos da China para que o país asiático não fique nas mãos de poucos fornecedores. Hoje, os maiores produtores do mundo de quem a China compra são Brasil, Estados Unidos e Argentina. “Ainda há limitações logísticas e até climáticas para plantar soja na África, mas é visível que o Brasil terá mais concorrência no futuro do que tem hoje”, diz Barral.

Bruno de Conti, diretor do Instituto Confúcio e professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concorda que o Brasil pode vir a perder volume de exportação para a China, mas não por conta de uma eventual redução no crescimento do país asiático, mas pelo que ele chama de desvio de mercados, com outros países desenvolvendo produtos que o Brasil exporta.

“Se forem feitos acordos entre os Estados Unidos e China, justamente para lidar com a guerra comercial, pode ser que comprem mais soja dos Estados Unidos do que do Brasil”, avalia.

O professor diz que, por mais que a China desenvolva tecnologia, vai continuar dependendo da produção externa em níveis semelhantes aos atuais. “A China é um país muito grande, mas com uma área agricultável ainda muito pequena, em torno de 10%. Mesmo que essa área cresça com o uso de novas tecnologias, ainda será uma área proporcionalmente pequena”, avalia.

A expectativa para Conti é que a dependência possa até ser maior por conta de um crescimento importante de uma classe média urbana com uma dinâmica de consumo mais voraz e também mais diversa.

“A perspectiva para os próximos anos é que continue havendo um êxodo do campo para a cidade. As projeções variam, mas algo como 30 milhões de pessoas todo ano devem migrar para as cidades. E essa população vai precisar ser abastecida por uma produção agrícola feita na China, mas também fora”, diz o professor.

Outros países asiáticos podem virar opção

Segundo Barral, as exportações para a China, hoje, são muito concentradas em poucos produtos, como a soja e o minério de ferro. Mas há uma mudança da cultura alimentar que pode oferecer novas possibilidades ao agronegócio brasileiro. “A China não era um grande consumidor de café, e hoje está se tornando um”, diz Barral.

O aumento da demanda por açúcar na China também pode vir a ser um novo mercado a ser explorado pelos produtores brasileiros. “As importações de açúcar continuarão crescendo, com previsão de que alcancem 5,52 milhões de toneladas em 2030”, avalia a Confederação Nacional de Agricultura no estudo com base em dados do governo chinês.

Para Barral, mesmo com uma redução do crescimento chinês a patamar próximo de 5%, metade do que a China registrou nas últimas décadas, a demanda por produtos estrangeiros vai continuar aquecida. Além disso, a ásia passa por um processo conhecido como spillover, que é um transbordamento do crescimento da principal economia da região para as vizinhas.

Por isso, Barral destaca que o agronegócio brasileiro deve voltar sua atenção também para o crescimento da demanda nos países que circundam a China. “A ásia como um todo está se tornando um destino importante. É por isso que Tailândia e Malásia já importam mais produtos brasileiros que parceiros tradicionais, como é o caso de França e Alemanha”, diz o consultor.

Mercado interno em segundo plano

O professor Evandro Carvalho, coordenador do Núcleo de Estudos China-Brasil da FGV Direito Rio, destaca que a estimativa é que a China dobre sua população de renda média na próxima década e, portanto, tenha uma capacidade de consumo muito maior.

A manutenção da produtividade brasileira em níveis atuais ou próximo disso pode significar um problema para atender a demanda chinesa crescente ou para abastecer o mercado interno. Se o mercado interno for relegado a um segundo plano, pode haver desabastecimento, caso produtores brasileiros prefiram alimentar outras nações por questão do preço, diz o professor. “Aí entra a questão de políticas públicas e cabe ao governo entender como fazer para não desequilibrar esse jogo”, avalia Carvalho.

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