Empurrões, cotoveladas, assédio sexual. O que era para ser um evento divertido virou um pesadelo para uma mulher no Qatar, país que recebe a Copa do Mundo 2022. O UOL conversou com uma mulher estrangeira que mora no país, que fez o relato de uma noite na Fan Fest de Doha, evento gratuito oficial da Fifa realizado na sede do Mundial. O episódio ocorreu no segundo dia em que o espaço funcionou:
“Vivi a pior noite da minha vida em uma Fan Fest de Doha. Não piso mais em uma por nada. Espero que não aconteça uma tragédia. Eu só chorei a noite toda. Parecia que estava sendo atacada por bichos.
A confusão começa em uma lona em que as pessoas ficam esperando a abertura da Fan Fest. É difícil até estar ali, fica uma grande massa de pessoas e a maioria é homem. Sei que em Copa do Mundo o público é masculino, as únicas mulheres que vi estavam com a família ou o marido. Mas todos começaram a ser empurrados e apertados e achei que seria o pior que aconteceria naquela noite.
Quando abriram as lonas, as pessoas começaram a se empurrar e o pesadelo começou. Cercada de pessoas, todo mundo se empurrando, cotoveladas, você tenta se proteger para não se machucar, mas são pessoas maiores, a maioria é homem e você no meio. Podia falar que se estivesse em um grupo estaria melhor, mas amigas em grupo ficaram separadas nessa confusão e você não consegue se segurar uma na outra.
E aí as pessoas começaram a me empurrar, e o pesadelo, que achava que seria isso, sofrendo e sendo jogada, aumentou. A gente sabe que o Qatar é um país muito seguro e as pessoas são muito reprimidas, mas naquele momento os homens ao meu redor se sentiram protegidos pela massa. Comecei a sentir mãos em mim, em todas as partes do meu corpo. Comecei a entrar em pânico. Nunca achei que isso fosse acontecer comigo. Eu só ouço que o Qatar é seguro e você vem para cá com outra cabeça, achando que isso não acontece aqui.
Então, comecei a chorar. Eu já estava sendo levada e empurrada para o raio-x, mas a multidão não obedecia o raio-x. Empurrava tudo, derrubava mesas, cadeiras… O raio-x balançava, quase caindo, e todo mundo empurrando, centenas de pessoas. Um policial viu que eu estava naquele estado. Não sei se viu o que estava acontecendo, me puxou para fora e colocou num canto, fez uma barreira para mim, mas não conseguia conter o resto das pessoas, tinha uma zona para ele cuidar.
Então, eu mesma desisti, porque eu vi que ele não podia fazer mais nada por mim. Ele me perguntou o que aconteceu e falei que no meio da multidão as pessoas começaram a tocar em mim. Ele não esboçou nenhuma reação. Não sei se ficou chocado ou simplesmente não tinha nada para dizer. Ele, enfim, ficou de barreira, passamos para um gramado mais aberto e mandaram todo mundo sentar no chão. Gritavam ‘senta agora’. Eu não fui e uma policial me empurrou para eu sentar, todo mundo sentou no chão, foi deplorável. Eu estava chorando com o que aconteceu comigo e ainda gritam comigo, sou empurrada.
Quando estava acontecendo o assédio eu tentei virar, tentei ver quem estava fazendo aquilo, quem estava passando a mão em mim. Não tinha como saber. Não sei se foi uma ou se foram cinco pessoas. Era tanta gente que você não sabe de onde está vindo. Eu pensei que o pior que poderia acontecer comigo era que puxassem minha carteira, mas não. Preferia mil vezes ter perdido a carteira.
Ouvi de outras pessoas que viram mãe com criança sendo empurrada. Teve gente tentando proteger a esposa com filho e não conseguindo. Gente desistindo de ficar lá porque estava violento. Gente gritando que era perigoso. Não tinha nada que pudesse conter aquele pessoal. Nunca mais vou pisar em uma Fan Zone, não recomendo a ninguém. Daquela noite, eu tenho só lembrança ruim.”