Para especialista, dados mostram que mulheres participam da política, mas não têm espaço para concorrer de forma competitiva
Com um histórico de baixa representatividade em cargos eletivos nos Poderes Legislativo e Executivo no Brasil, as mulheres representam 46% dos filiados a partidos políticos do país em 2022.
Em 2018, a porcentagem era de 44%. Levantamento feito pela Folha com dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) aponta que o percentual de mulheres filiadas cresceu nos últimos quatros anos em 28 das 32 legendas.
A proporção de mulheres filiadas está acima de 40% em 30 legendas, sendo que 3 têm mais mulheres do que homens filiados: o Republicanos, o PMB (Partido da Mulher Brasileira) e a UP (Unidade Popular) —os dois últimos não têm representação no Congresso Nacional.
A despeito da ampla participação nas bases, as mulheres são minoria entre os candidatos e, principalmente, entre os eleitos para governos, Senado, Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas.
Em 2018, por exemplo, mulheres foram apenas 32% das candidaturas deferidas pelo TSE. Legendas como PMB e PSTU tiveram a maior proporção de candidatas, seguidas de PT, PSOL e MDB.
A legislação eleitoral determina que os partidos sigam uma cota mínima de 30% de candidaturas femininas para disputas proporcionais. Legendas também devem destinar 30% dos recursos do fundo eleitoral a candidatas.
Há quatro anos, foram eleitas 290 mulheres, o equivalente a 16% dos 1.790 postos em disputa, entre Congresso, Assembleias, governos estaduais e Presidência. O número, apesar de ainda baixo, representou um crescimento de 52% em relação à eleição de 2014.
Também em 2018, apenas uma mulher foi eleita governadora: Fátima Bezerra (PT), no Rio Grande do Norte, que busca a reeleição neste ano. Outras duas assumiram o governo em abril de 2022, após renúncia dos titulares para disputar as eleições.
As duas, contudo, não devem disputar a reeleição: Izolda Cela (PDT), do Ceará, foi preterida na disputa interna de seu partido, e Regina Sousa (PT), do Piauí, decidiu não concorrer por questões de saúde.
Os dados do TSE referentes a junho de 2022 apontam o partido Novo como a sigla com menor percentual de mulheres filiadas —elas representam apenas 21% do total.
Na sequência, proporcionalmente, o Partido da Causa Operária é o que possui menor percentual de mulheres filiadas, com 34,8%. A legenda não tem representação no Congresso Nacional.
Ao todo, 28 dos 30 partidos que participaram da eleição de 2018 e vão participar em 2022 registraram um crescimento proporcional do número de mulheres filiadas no ciclo dos últimos quatro anos.
Em números absolutos, Patriota, Podemos, PT, Republicanos e PSOL foram os que mais filiaram mulheres desde 2018.
Secretária nacional de mulheres do PT, Anne Moura afirma que o partido “abre muitas portas para mulheres” e que isso pode ser um reflexo do aumento das filiações.
Ela diz que o fato de a legenda não só ser presidida por uma mulher, a deputada federal paranaense Gleisi Hoffmann, como também permitir que elas ocupem espaços “que sempre eram dos homens”, como no comando de secretarias como a de Finanças e Planejamento e Organização, contribui para engajar mais as mulheres na política.
A secretária afirma ainda que a legenda incentiva a participação de mulheres por meio do programa Elas por Elas, criado em 2018, que organiza de forma permanente atividades de formação e organização. “Muitas das mulheres que se organizaram fora do período eleitoral agora serão candidatas”, diz.
A deputada federal Tia Ju (Republicanos-RJ), secretária nacional da setorial Mulheres Republicanas, afirma que o partido conseguiu ter uma proporção maior de mulheres a partir de um trabalho de estruturação e organização das bases, com o apoio do diretório nacional da sigla.
“Nós trabalhamos com a concepção de que as mulheres no Republicanos não são uma cota, são uma necessidade. Buscamos uma maior proximidade com as mulheres em cada ponta do nosso país”, afirma.
Ele destaca que o número de mulheres candidatas e eleitas ainda não é o ideal, mas diz que a tendência é de uma maior proporcionalidade entre homens e mulheres nas próximas legislaturas. “É um trabalho que vai se refletir ao longo do tempo, com mais mulheres engajadas e candidaturas competitivas.”
O partido Novo, que registrou menor percentual de mulheres entre os filiados, destaca que tem uma proporção mais alta de mulheres entre os eleitos, indo na contramão das demais siglas. No pleito de 2020, 37% dos candidatos eleitos pelo partido eram mulheres.
“Queremos mais participação. A essência do Novo é renovação política, e se a gente tem um patamar baixo de filiação de mulheres, que representam 52% do eleitorado, a gente não consegue alcançar essa renovação”, afirma Cristina Rando, presidente do diretório do partido no Rio de Janeiro.
Levando em conta os dados específicos dos diretórios estaduais, o partido que localmente tem maior participação feminina é o PSTU do Espírito Santo, com 69% de filiadas mulheres. Na sequência aparecem os diretórios do Partido da Mulher Brasileira no Acre e no Ceará, além do PSOL de Alagoas.
Na outra ponta, o diretório do Novo em Pernambuco é o que tem menos participação feminina: a proporção é de 9 homens para cada mulher filiada.
Apesar de simbolizar a representação dos partidos entre o eleitorado, o número de filiados é tido como um indicador questionável para medir o tamanho ou a capilaridade das legendas.
Isso porque, no Brasil, nem sempre há participação dos filiados nas decisões do partido. A ausência de contribuições financeiras na maioria das legendas também facilita a filiação em massa de eleitores.
Outra lacuna são as falhas na base de dados do TSE. Existem eleitores que são registrados involuntariamente e até pessoas que já morreram entre os filiados considerados em situação regular.
Na avaliação da professora de direito Ligia Fabris, da FGV do Rio de Janeiro, os dados mostram que é uma falácia a narrativa de que mulheres não teriam interesse em participar de política. “Se elas não se interessassem, haveria um abismo entre [a quantidade de] homens e mulheres filiados”, diz.
“Partidos já manifestaram publicamente que haveria uma dificuldade de encontrar 30% de mulheres para se candidatarem. Esses números mostram que eles já têm um contingente muito expressivo dentro de seus próprios quadros”, afirma.
Para Ligia, ainda é preciso uma série de transformações institucionais e de desenho partidário para fazer com que essas mulheres interessadas se tornem candidatas e sejam eleitas.
Ela diz também que é preciso que cada vez mais as legendas deem espaço para que mulheres tomem decisões na estrutura partidária.
“Elas precisam ter reais condições para se candidatar e serem competitivas. É preciso dar estrutura, recurso, acesso ao tempo de propaganda na rádio e na televisão nos horários nobres. E isso tudo passa por decisões que são políticas”, afirma a professora.
FOLHA DE SÃO PAULO