Um projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal de Natal visa assegurar imunidade tributária a templos de religiões de matriz africana que não disponham de CNPJ.
A autoria do projeto é do vereador Daniel Valença (PT). A proposta foi aprovada na última terça-feira (10) em regime de urgência, junto a outros 44 textos.
O objetivo da lei é criar um procedimento próprio para o reconhecimento de templos de religiões de matriz africana carentes de personalidade jurídica própria, considerando-se a prevalência da tradição oral e as condições de vida estruturalmente precárias da população negra, histórica praticante de religiões como Jurema, Umbanda e Candomblé, a fim de lhes garantir o direito constitucional à imunidade tributária.
Pelo texto aprovado, farão jus à imunidade tributária os líderes religiosos das religiões de matriz africana, sejam eles proprietários, locatários, possuidores de boa-fé ou detentores de vínculo jurídico de qualquer natureza com o imóvel que sedia o templo, a despeito de não estar em nome de associação civil com CNPJ próprio, desde que devidamente reconhecido como templo.
O reconhecimento dos templos de religiões de matriz africana poderá ser feito mediante os seguintes procedimentos:
– Análise de fotos, vídeos, testemunhas e autodeclaração por comissão especial, a ser instituída pela Secretaria Municipal de Cultura ou outro órgão competente designado pelo Poder Executivo, nos termos da Lei Complementar nº 141/2014;
– Reconhecimento formal e documentado emitido por associação com abrangência estadual ou nacional, cuja finalidade social inclua a aferição de que determinado imóvel serve como templo de religiões de matriz africana, ainda que a Casa não esteja formalmente inscrita em cartório público como sede de associação civil, desde que alugada por pai ou mãe de santo ou de propriedade de um destes.
De acordo com o Mapeamento dos Terreiros em Natal, realizado pelo Grupo de Estudos de Comunidades Populares, do Departamento de Antropologia, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFRN, em Natal existem mais de 300 templos.
“Em sua maioria, esses terreiros sempre existiram em regiões periféricas das cidades, afastadas das zonas urbanas por ‘incomodarem’ a ‘ordem’ dominante, decorrente das relações sociais de classe e raça que subalternizaram as populações de origem africana e indígena. Como se vê, a marginalização e perseguição às religiões de matriz africana e afroameríndias é fruto de um racismo religioso histórico, por ser um espaço construído majoritariamente por pessoas pretas”, diz Valença, em sua justificação.
Ainda de acordo com o parlamentar, no documento que justifica o projeto, reflexo disso é que, mesmo se isentando de impostos templos de qualquer culto, desde 1957, com a Lei nº 3.193, e de esse direito ter sido ainda mais fortalecido com a Constituição Federal de 1988, substituindo a isenção tributária (que prevê a ocorrência de fato gerador de obrigação tributária, mas concede o não-pagamento) pela imunidade tributária (que impede a própria formação da obrigação tributária, tanto mais seu pagamento), as dificuldades estruturais para essas populações acessarem esse direito permanecem.
“Em Natal, por exemplo, há muitos templos de religiões tradicionais – que quase sempre existem nas casas de pais e mães de santo – com débitos referentes ao IPTU, em valores às vezes maiores que os do próprio imóvel, sem que o poder público leve em conta as condições de moradia e uso, especialmente nos casos de residentes nas periferias de nossa cidade”, aponta.