Sob o céu quente do sertão, onde turbinas eólicas desenham o horizonte e placas solares refletem o sol, cresce um modelo de desenvolvimento energético que promete uma solução para a crise climática. No entanto, histórias como as das comunidades rurais do semiárido potiguar, diretamente afetadas por esses empreendimentos, quase não aparecem nos jornais. É o que aponta a pesquisa “Vozes Silenciadas: Energias Renováveis – A cobertura da mídia sobre a transição energética no Brasil”realizada pelo coletivo Intervozes, que será lançada neste sábado (14), às 17h, no Café Cultura, em Santa Luzia (PB).
O evento faz parte da 2ª Caravana pelo Direito à Comunicação e contará com um debate entre pesquisadoras, representantes de movimentos sociais e agricultores do Rio Grande do Norte e da Paraíba. O coletivo também apresentará o Relatório Direito Humano à Comunicação 2023, destacando a cobertura da comunicação no primeiro ano do governo Lula.
A invisibilidade das comunidades no RN
A pesquisa revela que, no Rio Grande do Norte, estado líder na geração de energia eólica no país, a mídia tradicional tem priorizado a narrativa de governantes e empresas sobre o tema. O jornal Tribuna do Norte, por exemplo, foi identificado como o veículo que mais publicou notícias relacionadas às energias renováveis entre 2021 e junho de 2023, com 96 matérias. Destas, a maior parte esteve no caderno de economia, destacando os benefícios econômicos e o potencial energético do estado.
Entretanto, apenas 0,9% das fontes consultadas pelo veículo pertenciam a Povos e Comunidades Tradicionais ou a territórios impactados, enquanto representantes do Executivo e de empresas do setor responderam por mais da metade das vozes ouvidas. Essa disparidade demonstra um padrão recorrente: comunidades afetadas têm pouco ou nenhum espaço para relatar os impactos socioambientais causados pela instalação de parques eólicos e usinas solares, como a perda de territórios tradicionais e de meios de subsistência.
Energias renováveis e o desafio da justiça socioambiental
O estudo também aponta que, no Brasil, as políticas públicas para transição energética têm priorizado os interesses do mercado, sem enfrentar as raízes estruturais da crise climática e das desigualdades socioambientais. O cenário é agravado pelo modelo de implantação de megaprojetos, que, apesar de “verdes”, frequentemente reproduzem injustiças e conflitos nos territórios.
Movimentos sociais e entidades que atuam em defesa de pescadores, agricultores e povos tradicionais no RN, como o Conselho Pastoral dos Pescadores e o Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental, foram citados em apenas uma das 96 matérias analisadas na Tribuna do Norte.
Debate e reflexões sobre comunicação e energia
O lançamento da pesquisa busca fomentar o debate público sobre o papel da comunicação na construção de narrativas mais inclusivas e críticas sobre a transição energética. Além disso, o relatório sobre o direito à comunicação destaca como a imprensa pode ser um ator estratégico para fortalecer a luta por justiça climática e pela defesa de territórios no Brasil.
Com a proximidade da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), que será realizada no Brasil em 2025, o evento deste sábado pretende provocar reflexões sobre o futuro do país como protagonista global na agenda climática e energética. Mais do que uma análise de dados, o lançamento é um convite para ouvir as histórias que ainda não foram contadas.
A pesquisa completa está disponível no site do Intervozes, gratuitamente. Acesse aqui.