Você já sonhou em acordar milionário? Quem nunca, né? Sobretudo em nosso país, cujos festejos de fim de ano se fazem acompanhar por um evento que já virou tradição: a Mega da Virada.
Não precisa ser um apostador contumaz, qualquer um pode perceber: mal chega o mês de dezembro e uma agitação crescente vai tomando conta de grande parte da população. Até que, subitamente, nos últimos dias, as filas nas agências lotéricas para se fazer “aquela fezinha” se tornam quilométricas, milhões de pessoas apostando em começar o novo ano com milhões na conta.
Naturalmente. Em um sistema baseado no vil metal, como não sonhar com cifrões? E, como não poderia deixar de ser, esse imaginário também vai se manifestar por meio do humor. Assim, dias antes e depois do megaevento que é o sorteio dos seis números mágicos, uma profusão de textos humorísticos – memes, vídeos-paródias, postagens-piadas e similares – toma conta das redes sociais.
O professor Sírio Possenti, do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, em um de seus muitos trabalhos sobre o humor, faz uma interessante abordagem sobre a relação entre os tipos de acontecimento discursivo e as formas de expressão de textos humorísticos: segundo ele, em um dos capítulos do livro “Humor, língua, discurso” (editora Contexto, 2010), para acontecimentos de longa duração, já “cristalizados” nos imaginários de uma sociedade, o humor se expressa sobretudo por meio de piadas.
Podemos pensar, por exemplo, naquelas anedotas que exploram estereótipos sobre temas como casamento, profissão, regionalismos etc. Já para acontecimentos mais da “ordem do dia”, cuja duração ou “prazo de validade” seria mais efêmero, teríamos outros gêneros discursivos preferenciais, como a charge ou, mais em voga em tempos digitais, os memes.
Esse é o caso das inúmeras postagens sobre esse acontecimento que é a Mega da Virada, uma promessa de transformação de vida que mobiliza milhões de pessoas no país. Como não fazer humor disso? O sonho e o riso são de graça. Inclusive, o riso que advém do humor autodepreciativo.
O velho e bom Freud, num texto intitulado “O humor”, de 1927, abordou a possibilidade de textos humorísticos (os chistes) funcionarem como uma espécie de defesa psíquica. Diante de uma realidade opressora, fazer piada com a própria desgraça é uma forma de resistência.
Assim, para muitos de nós que não acordamos milionários neste primeiro dia de novo ano, só nos resta rir do próprio sonho antes de seguir ralando na rotina de trabalho de sempre.
Sigamos. E que sejamos pessoas melhores em 2025, independentemente do saldo na conta corrente.
Feliz 2025!