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O que muda no ensino médio em 2022?

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Ministério da Educação prevê que conteúdo se dividirá entre formação básica e matérias eletivas, a exemplo de universidades, e especialistas veem projeto ‘nem-nem’, com escolas oferecendo conteúdo mais fraco e sem capacidade de profissionalizar

Uma ideia debatida nos últimos 25 anos começará a sair do papel no início de 2022: uma revolução no formato do ensino médio, a maior mudança desde 1971. No entanto, a apenas quatro meses do início do novo modelo, professores e escolas seguem no escuro, sem orientações e com caminhos a seguir indefinidos. Para especialistas, há problemas para se implementar a proposta pedagógica.

Apesar de a nova “arquitetura” para essa etapa do ensino no país ter sido definida pelo Ministério da Educação, um levantamento mostra que o processo de implantação está atravancado. De acordo com o Movimento Pela Base, apenas Santa Catarina, entre as 27 unidades da federação, tem as cinco principais medidas de regulamentação do novo ensino médio publicadas. O prazo é até o fim deste ano.

O traço mais característico desse novo modelo é que ele lembra a organização do conteúdo aplicado há anos pelas universidades. Em vez de 13 disciplinas fixas nos três anos da grade curricular, a proposta prevê dois pilares, um de formação geral e obrigatória e outro voltado para carreiras de interesse dos alunos, chamado de itinerário formativo.

Essa estrutura foi definida em 2017, em medida provisória na gestão do ex-presidente Michel Temer. A partir desse modelo, os estados precisavam definir seus currículos tanto de formação geral quanto de itinerários formativos. Até agora, entretanto, 12 deles não foram homologados pelos conselhos estaduais de educação, como previsto.

De acordo com Carlos Lordelo, coordenador de ensino médio do Movimento Pela Base, preocupa a falta da regulamentação dessa “arquitetura”, definida até agora somente em seis estados (AM, DF, PR, SC, SP e SE). Em outros oito, ela nem começou a ser discutida.

— Essa é a oportunidade de colocar o jovem no centro do processo de aprendizagem, fazer a escola funcionar em torno dos interesses deles para reverter quadros trágicos do ensino médio, de evasão e aprendizagem insuficiente. Não é uma bala de prata, precisa melhorar a infraestrutura das escolas e a formação dos professores, mas é um caminho bom — diz Lordelo.

Aspectos desfavoráveis

Não há unanimidade sobre o assunto. Fernando Cássio, professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do ABC, em SP, avalia que a própria estrutura pode precarizar os conhecimentos obtidos na escola.

— O mais grave é que será oferecido um ensino técnico sem qualidade no lugar de conteúdos como História do Brasil — afirma o pesquisador, que integra a Rede Escola Pública e Universidade (Repu) e o comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

A oferta de ensino técnico, diz o pesquisador, tem sido apresentada como um “pré-técnico”. Para ele, na prática, são aulas teóricas em escolas sem estruturas adequadas para as práticas, o que não habilita o aluno a atuar em profissão alguma. Outro caminho são minicursos como Excel ou de Redes Sociais oferecidos por entidades privadas.

— Não vai haver uma ampliação necessária da rede de ensino profissionalizante de qualidade e que aprova os alunos para a universidade. Na verdade, esses conteúdos serão oferecidos no lugar de outros mais importantes — afirma. — Essa escola regular do novo ensino médio, que é do aluno pobre, é “nem-nem”. Nem generalista, nem técnica. Em vez de estudar o formato da Terra e a origem da vida, os alunos fazem um minicurso de “Como se Apresentar Bem no Mercado de Trabalho” como formação técnica.

A liberdade de escolhas — ou, como tem sido definida, flexibilidade — é o principal trunfo da proposta para tornar o ensino médio mais atrativo aos jovens brasileiros. Atualmente, um em cada 20 alunos no país abandona os estudos nessa etapa da vida escolar. Especialistas dizem que a desconexão da escola com o mundo real e a falta de sentido das disciplinas para os alunos estão entre as principais causas do fenômeno. O Ministério da Educação, na gestão do presidente Jair Bolsonaro, tem defendido a bandeira do ensino profissionalizante.

Privadas levam vantagem

Outro aspecto negativo apontado por Cássio é que a proposta esbarra na desigualdade da oferta de ensino pelo país. Mais de três mil cidades só têm uma escola pública, o que as impossibilita de oferecer todo o leque de possibilidades de carreiras aos alunos.

— A reforma não prevê que as escolas sejam equipadas para ter um ensino focado em uma área de conhecimento ou no ensino técnico de qualidade— avalia.

Na rede privada, é onde mais será possível garantir o aprofundamento das disciplinas nos itinerários. Filipe Quadra Belo, de 14 anos, aluno do 9º ano da escola CERC, no Rio, poderá escolher como eletivas itinerários como Saúde e Inovação, Criação de Startup e Cidadão do Mundo:

— A gente fica um pouco nervoso porque ensino médio é difícil, mas estou animado.

Pelo calendário do MEC, o novo ensino médio deve começar a ser implementado nas turmas de primeiro ano, em 2022. Em São Paulo, isso já começou, e os alunos do início do curso, este ano, frequentam aulas de tecnologia, eletivas e Projeto de Vida — voltada para preparar os estudantes a tomarem decisões no futuro.

— O Projeto de Vida segue importante nos anos seguintes. Inclusive para o aluno saber o que fará depois de se formar — afirma Caetano Siqueira, coordenador Pedagógico da Secretaria estadual de Educação de São Paulo.

O Rio, por outro lado, está atrasado. Por nota, a Secretaria estadual de Educação informou que, no ano que vem, só as escolas de horário parcial passarão pelos ajustes para a formação de professores. As restantes só iniciam a transição em 2023. O estado é um dos que não homologou seu currículo.

Ricardo Nunes, líder de atendimento das escolas parceiras da Conexia Educação, da qual a CERC faz parte, conta que há certa preocupação em parte dos colégios da rede privada, sobretudo nos que têm reputação de “aprovadores” nos vestibulares.

— Com a mudança, a formação geral é menor do que era. E esse aluno que se prepara para o vestibular vai precisar se aprofundar nas áreas. Isso pode impactar na preparação deles para os vestibulares — diz Nunes.

Sem o currículo do Rio definido, o Colégio pH resolveu seguir a Base Nacional Comum Curricular. Já lançou dez eletivas e quatro grandes projetos de itinerários em 2021. Na avaliação de Filipe Couto, diretor pedagógico da rede, o modelo novo é bom:

— Ele tem potencial de aumentar a assiduidade, a criatividade e o protagonismo dos alunos, mas tem de cuidar da implementação.

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