Adriana, como vamos chamar nossa personagem que prefere não se expor, teve uma gestação planejada. Era a primeira gravidez do casal, ela fez o plano de parto junto com o marido, pesquisou sobre cada etapa da gestação e ficou tranquila ao perceber que estava entrando em trabalho de parto.
“Me planejei para a gravidez inteira. Conversamos com enfermeiras, médicas, amigas que já eram mães, nos informamos sobre partos e as etapas da gestação inteira. Também fizemos nosso plano de parto, vimos as violências que poderíamos sofrer e escolhemos a maternidade que era referência, mas ao mesmo tempo, vimos que uma boa experiência dependia também da equipe que fôssemos pegar”, contextualizou Adriana.
Era 17h30 do dia 29 de outubro quando Adriana começou a sentir as primeiras contrações, mas ela aguardou até o limite da dor e só foi para a maternidade por volta da meia noite.
“Como as contrações estavam sem ritmo decidimos ficar em casa até o limite, fazendo exercícios que estudamos com as doulas, médicas e parteiras, com ajuda da minha mãe e marido. Quando vi que não dava, senti a pressão da bebê vindo, fomos para a maternidade com tudo pronto… mala, documentação. Leide Morais fica a cinco minutos da minha casa”, relembra.
Adriana até foi recebida na chegada, quando um rapaz pegou uma cadeira de rodas para leva-la à recepção, mas daí em diante a gestante passou por uma série de estupros.
“Meu marido ficou na recepção fazendo aquele processo burocrático e eu fui para a triagem sozinha com a ajuda do rapaz. A enfermeira chegou e já disse ‘cadeira de rodas é pra doente e gravidez não é doença, pode levantar’. Achei melhor ignorar. Ema uma certa hora comecei a me esticar de do e coloquei a mão na barriga, ela disse ‘tire a mão da barriga para não estressar o bebê, se quiser fazer algo de útil, bote lombar’. Nisso minha amiga, que também é enfermeira e estava acompanhando, junto com meu marido, trouxe meu plano de parto, que é autenticado em cartório e assinado pela obstetra. Isso não é obrigatório, mas eu queria que eles soubessem que quem estava ali tinha estudado, sabia o que estava falando. A enfermeira disse ‘deixe isso para a sala de parto‘.
Ao seguir para a sala de avaliação, o ‘tampão’ de Adriana caiu e foi constatado que ela já estava com 10 centímetros de dilatação.
“Foi tudo muito rápido, cheguei à meia noite e tive minha filha às 00h48. A maternidade estava lotada e o médico disse que a bebê estava sendo segurada pela bolsa, que não havia estourado ainda. Fui para a suíte e todo esse tempo todo esse tempo fiquei tranquila, consciente o tempo todo. Uma enfermeira até disse ‘não sei como conseguem estar tão tranquilos’. Troquei de roupa e subi na maca. Quando disse que posição que queria, que era em quatro apoios ou deitada de lado ele disse ‘então você vai acabar fazendo seu parto sozinha‘.
“Tenho que estar calma para trazer minha bebê bem, pensei: não posso me descontrolar para não perder meu leite. Por mais que saibamos dos nossos direitos, estava numa situação em que estava entregue à equipe, não podia pedir para mudar de equipe, teria tido a bebê sozinha e poderia ter alguma intercorrência. Ele disse ‘de cócoras’, achei super bem pra mim. Fui ficando na posição e ele foi dizendo a posição que ele queria que, na verdade, era a posição de posição ginecológica”, relata Adriana que, enquanto estava em trabalho de parto ouviu comentários e risadas, tanto do médico, quanto dos demais membros da equipe que o acompanhava.
Parto de bicho
“’Esse negócio de parto humanizado é frescura’, ele falava rindo e a equipe também ria junto, ou seja, concordando com tudo que ele dizia. ‘Isso é coisa para bicho’, e outro concordou… ‘num é isso, agora querem ter na banheira‘”, completa Adriana, que ouviu tudo em silêncio.
No decorrer do trabalho de parto, as contrações da gestante começaram a diminuir, foi quando o médico estourou a bolsa do líquido amniótico sem perguntar se podia. Ele fez a mesma coisa ao fazer uma episiotomia sem a autorização de Adriana.
Preguiçoso
“Ele disse ‘vou dar uma anestesia porque se você lacerar, não vai sentir. Já desconfiei até porque com a dor, você não sente. Depois disse ‘vou cortar aqui’ e já cortou, não tive nem tempo de questionar”denuncia Adriana.
“Enquanto ele fazia a anestesia conversava com a equipe como estava ‘preguiçoso’ naquele dia”, acrescenta.
Demonstrando impaciência com o parto, o médico ainda fez a manobra de Kristeller para tentar acelerar o nascimento da criança.
“Eu estava fazendo força e a bebê perto de sair. Ficava no vai e vem, uma hora consegui botar muita força e começou a sair, foi quando ele ficou arregaçando minha vagina com as mãos, entrou nas minhas pernas e segurou com o braço na barriga“.
Risco de hemorragia
Adriana também denuncia que, logo após o parto, teve a placenta “arrancada’, sem que aguardassem o processo natural de descolamento, o que poderia ter ocasionado até uma hemorragia.
“Não esperaram que a placenta saísse sozinha, a mulher puxou – não sei se era enfermeira. Mesmo que eu tivesse chegado muito em cima da hora do parto, poderiam ter conversado comigo e meu marido durante o parto para que tivesse sido uma boa experiência. A impressão é que queriam que acabasse logo e fizeram todas as interferências para isso. Quando se arranca a placenta, há um grande risco de hemorragia. Foi uma dor tão grande que dei um grito e disse que estava doendo muito e disseram ‘é sua última dor, calma’. Comecei a me tremer muito, senti um frio grande, não tinha controle sobre meus braços e pernas. Depois começaram o processo de limpeza e, na hora de costurar o médico ainda perguntou cochichando a uma moça de ela não queria fazer os pontos. Ela disse que não, porque só tinha feito uma ou duas vezes. Ele devia estar com preguiça“, criticou Adriana.
Nas visitas para verificar se a paciente estava bem o médico ainda soltou piada em duas ocasiões, dizendo que Adriana queria ter parto feito jumento e que ela era a paciente que deu trabalho na hora do parto. O tratamento só melhorou quando mudou a equipe no pós parto.
“O pós parto foi perfeito, os outros médicos e obstetras foram maravilhosos. Conversando com as outras pacientes, chegaram a relatar que passaram por coisa parecida e até pior. O fato de ser de madrugada e a maternidade estar lotada não justifica a forma como tratam o paciente. A assistente social, que passa no pós parto, me ouviu muito bem, se solidarizou e deu todo o passo a passo do que fazer para denunciar. Ela foi fundamental, cuidou da gente. Também fui muito bem recebida na ouvidoria, me disseram que a direção da Maternidade tem 30 dias para dar uma resposta. Lá me deram orientação para que solicitasse meu prontuário e não deixasse passar. ‘Foi por causa de denúncias como a sua que conseguimos tirar médicos horríveis daqui’, a pessoa chegou a me dizer”, revela Adriana, que planeja entrar com um processo judicial contra o médico responsável pelo seu parto.
“Não fiquei traumatizada a ponto de não querer mais filhos, mas algumas mulheres desenvolvem depressão pós parto, outras ficam marcadas para sempre por situações como essa. É por essas por essas famílias que vou levar isso à frente”, resume Adriana.
A violência obstétrica também foi denunciada por uma rede de doulas, que postou o relato da vítima nas redes sociais. O grupo ressaltou que, conforme a constituição determina, “durante o período pré-natal é obrigatória a elaboração do plano de parto contendo os desejos, preferências e expectativas da gestante para esse momento“. E que no caso de Adriana, o plano de parto chegou feito, mas não foi recebido, nem respeitado.
O grupo de doulas também ressalta que, segundo o “Art. 3º Considera-se violência obstétrica todo ato praticado por membro da equipe de saúde do hospital de afins ou por terceiros com vínculo ao estabelecimento de saúde, em desacordo com as normas regulamentadoras ou que ofenda verbal ou
fisicamente as mulheres gestantes, parturientes ou puérperas“.
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Por meio de nota à pedido da Agência SAIBA MAIS a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informa que:
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) Natal informa que iniciou um processo de apuração e investigação sobre a denúncia do caso de violência obstétrica que teria acontecido na Maternidade Leide Morais, para posteriormente proceder com a tomada de medidas cabíveis.
A SMS reforça que é contra qualquer tipo de abuso e violência, em qualquer âmbito, e realiza continuamente capacitações com toda a equipe da rede com a intenção de que nenhum tipo de agressão aconteçam nos serviços de saúde do município.