Os dados da segunda etapa do Censo Escolar da Educação Básica 2021 apontam que, no ano passado, o Rio Grande do Norte registrou a maior taxa de reprovação (10,7%) e abandono escolar (14,7%) do Ensino Médio em todo o Nordeste. Na outra ponta, a taxa de aprovação é a menor da região (74,6%). O Estado tem a segunda menor taxa de aprovação do País, com aproveitamento melhor apenas do que o Pará, que registrou índice de 73,3%. Em relação ao abandono de estudantes do Ensino Médio, o Rio Grande do Norte está em segundo lugar no ranking nacional. A taxa do Estado, de 14,7% só não é pior do que o índice do Pará, que registra 15,6% de abandono escolar.
Os dados foram divulgados na semana passada e estão disponíveis portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e no sistema do Educacenso. A diferença entre os dados do RN e dos estados vizinhos é outro aspecto que chama a atenção. A taxa de reprovação no RN é 35 vezes maior que a do Ceará (10,3% x 0,3%). Até mesmo a comparação com o segundo colocado da lista coloca o RN em situação difícil. A taxa de Alagoas é de 4,5%, ou seja menos que a metade. O mesmo acontece com a taxa de abandono. O RN tem números 10 vezes maiores que Pernambuco. Especialistas ouvidos pela TRIBUNA DO NORTE avaliam que é necessário analisar os dados com cuidado, uma vez que os estados adotaram critérios diferentes para definir os processos de aprovação, reprovação e abandono escolar.
Em se tratando de reprovação, o Estado está em sexta colocação no Brasil. Com desempenho pior do que o RN, que tem índice de 10,7%, estão Amapá (15,4% ), Mato Grosso do Sul (13,8%), Mato Grosso (12,3%), Santa Catarina (12,1%) e Distrito Federal (11%). No comparativo entre 2020 e 2021, os números do ano passado no Rio Grande do Norte também apontam para um declínio no rendimento dos estudantes do Ensino Médio do Estado.
Em 2020, a taxa de aprovação era de 98,4% e os índices de reprovação e abandono eram 0,1% e 0,6%, respectivamente. Getúlio Marques, secretário de educação do Estado, explica que a diferença de um ano para o outro se deve ao fato de não haver reprovações em 2020, conforme recomendação do Inep. O titular da Secretaria de Estado da Educação, da Cultura, do Esporte e do Lazer (SEEC/RN) reconhece que os números do Censo são preocupantes e o cenário se deve, especialmente, às restrições provocadas pela pandemia.
“Em 2019, tivemos dificuldade financeira. O Estado estava em situação de calamidade e tivemos que investir menos em algumas áreas. Com isso, um grande número de alunos ficou prejudicado na pandemia, especialmente aqueles de cidades com pouca estrutura. Muitos não tiveram acesso à internet e, para isso, nós utilizamos a televisão, que não teve o mesmo impacto”, afirma o secretário.
“O Inep permitiu, em 2020, que as escolas não colocassem reprovações e estimulassem para que o aluno não abandonasse a escola. No Brasil, todos os números de 2020 foram melhores do que em 2021. Tivemos um ponto fora da curva, mas, mesmo comparando com 2019, a situação piorou no País e, no estado, foi além. Por isso, estamos correndo atrás do prejuízo”, acrescenta Marques.
Estado levará tempo para recuperar perdas
Os especialistas ouvidos pela reportagem reconhecem que o fechamento das escolas em razão da pandemia de covid-19 é a principal causa dos números negativos do Censo Escolar de 2021 no Rio Grande do Norte. Entretanto, eles defendem cautela ao analisar os dados, uma vez que critérios diferentes foram adotados por estados e municípios na hora de aprovar ou não os estudantes de suas respectivas redes.
Joária Vieira, presidente da União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime-RN), afirma que, com a pandemia, o Governo Federal determinou que houvesse aprovação automática para alguns alunos, mas a medida não era obrigatória. “Alguns municípios seguiram a determinação do Governo Federal e realizaram aprovações automáticas, enquanto outros fizeram avaliações pontuais. Isso influenciou nos resultados do Censo”, esclareceu.
O especialista em Educação e professor universitário Gustavo Fernandes, concorda. “Primeiro é preciso pensar na política que foi adotada em cada Estado. Não dá para colocar o RN como uma referência negativa no Nordeste quando a gente não sabe, de fato, qual o direcionamento adotado com relação ao processo de aprovação desses alunos durante a pandemia”, declara.
Mesmo com a ressalva, Gustavo admite que a crise sanitária impactou negativamente no cenário do Estado. “A evasão e reprovação dos alunos foram potencializadas pelo fechamento das escolas. Outra causa foi a falta de política pública por parte dos governos. Só em 2021 é que o ensino remoto entrou de forma mais incisiva e, ainda assim, sem uma padronização. A falta de uma proposta pedagógica influenciou”, analisa.
A presidente da Undime-RN acrescenta que a falta de formação profissional tem um peso significativo no cenário, sem descartar aí o fechamento das unidades de ensino. “Uma das coisas que eu avalio como mais grave é a ausência dos alunos em sala de aula. Neste período, tivemos as escolas, em sua maioria, com atividades de forma híbrida ou sem nenhum acesso ao ensino presencial. Algumas só iniciaram [de forma presencial] neste ano”, indica.
“E, mesmo com algumas formações em andamento, esse, a meu ver, seria um dos principais desafios a encarar para mudar essa realidade”, pontua Joária Vieira. Segundo ela, investimentos nesse aspecto irão ajudar a melhorar os índices de aprovação e reprovação do Estado. Com um cenário crítico em todo o País, o consenso entre os especialistas é de que as perdas são irreparáveis e é difícil quantificar quando elas poderão ser sanadas.
“Não dá para conseguir recuperar de um dia para a noite, embora, com o tempo, essas lacunas podem ser sanadas lentamente. Não dá para dizer em quanto tempo poderemos recuperar, porque isso vai depender da política de cada instituição. Ao mesmo tempo em que esse período trouxe perdas, ele adiantou processos. O pontos positivo de tudo isso foi o avanço tecnológico que contribui muito para outros avanços que a gente pode utilizar nos próximos anos”, pontua Fernandes.
O professor analisa que o desempenho dos docentes será peça-chave nesse processo de recuperação. “Os próximos anos serão de readequação da prática do professor, de conteúdos e didática. Será necessária bastante sensibilidade em relação ao aluno. Temos muitas crianças com ansiedade e crise de pânico”, alerta.
RN irá usar tecnologiapara formação
Para buscar reverter o cenário, o secretário Getúlio Marques sublinha que programas de busca estão sendo empreendidas no sentido de trazer o estudante de volta à sala de aula. No que diz respeito aos níveis de aprovação e reprovação escolar, a aposta é em formação para os professores e em tecnologia.
“Dos cerca de 112 mil alunos do Ensino Médio hoje, 35 mil estão em situação de vulnerabilidade. Para eles, temos, junto ao Unicef, os programas Busca Ativa e Trajetória Escolar de Sucesso”, esclarece. Sobre o rendimento escolar, o secretário reconhece que não será fácil recuperar o tempo perdido. “Estamos muito aquém. Vamos demorar, talvez, uma geração inteira para recuperar as perdas”, diz.
Diante dos desafios, a pasta quer investir no meio digital e reformular a formação de professores para reduzir os impactos provocados pelos prejuízos. “Estamos fazendo um trabalho de aproximação da gestão administrativa e de aprendizagem com a gestão pedagógica, a partir de um pacto para substituir a cultura da reprovação pela do aprendizado. Mas não queremos que se aprove o alune de qualquer jeito”, ressalta o secretário.
Getúlio Marques disse que, com o reequilíbrio das contas públicas e o arrefecimento da pandemia, espera dar um ‘passo maior’ em relação ao desenvolvimento da educação no Estado. “Isso está sendo feito com o programa Escola Potiguar , que já tem oito processos em criação para os IERNs e para melhorar, inclusive, a infraestrutura das escolas”, descreve.
“Estamos no processo de fechamento de aquisição de notebooks para professores e no processo de formação teremos multiplicadores em todas as DIRECs, com mais de 500 professores em todas as disciplinas e componentes que tenham acesso à melhoria digital. Para as escolas, os alunos terão internet banda larga (até o próximo mês de junho a licitação deve sair). Teremos seis meses para que a empresa que ganhar a licitação instale banda larga em todas as unidades, com antena que permita aos alunos não pagar por chips”, explica Marques.