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Setembro Amarelo: sobreviventes de tentativas de suicídio contam suas histórias

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A campanha do Setembro Amarelo traz à tona questões que precisam ser discutidas todos os dias. O suicídio é a principal delas.

Para além disso, é possível ver nesse momento a oportunidade de disseminar boas histórias. Conhecer pessoas que não fazem parte da estatística. Histórias reais daqueles que resolveram fazer jus ao tema deste ano, mesmo que coincidentemente. “A vida é a melhor escolha”. Depois de tentativas de acabar com a dor que sentiam, hoje decidem não só a favor da própria vida, mas contribuem para que os números não cresçam.  

Um desses personagens receberá o nome fictício de Pedro, que há seis anos teve a oportunidade de fazer novas escolhas. Em entrevista para a TRIBUNA DO NORTE, ele decidiu compartilhar seu relato, mas preferiu não ser identificado por razões pessoais. Todo o caminho que percorreu até o dia do acidente, como fala, foi feito como alguém que era próximo dos amigos, extrovertido e alegre. “Ninguém imaginava o que eu iria fazer”, conta. Até que depois de uma série de eventos, a chave virou.

Por volta das 3h30 do dia 16 de maio de 2016, Pedro se levantou e saiu de casa em direção à Ponte Newton Navarro, um dos pontos mais emblemáticos da capital potiguar. No caminho, escreveu uma carta para sua noiva da época. Ao chegar, ele passou pelas barras de proteção, se colocou de costas para a água e, pensando unicamente em se livrar de todos os problemas, soltou as mãos. “Eu não queria morrer”, relembra. Assim que se soltou, pediu socorro, por mais que, naquela hora, isso não adiantasse. Caiu no Rio Potengi.

O impacto da queda de 60 metros,  equivalente a um prédio de 20 andares, causou diversos danos em seu corpo. O antebraço esquerdo, três vértebras da coluna cervical e duas costelas sofreram fraturas. Ele afundou e lembra de contar apenas com a força das pernas e do braço direito para  voltar a superfície. Quem o retirou da água foi um pescador que, por coincidência, tinha saído mais cedo de casa naquela manhã, o que não era costume. “Minha sorte foi que dois pescadores entraram no mar no momento em que eu pulei. Eles não pescavam nesse horário, às 4h da manhã”, conta Pedro.    

Ele foi arrastado até a margem e esperou pela chegada do SAMU. Naquele momento, sua maior preocupação era se manter acordado para dizer aos socorristas sobre os remédios aos quais é alérgico. Não queria arriscar perder outra chance que a vida lhe dava. “Depois que eu caí, que Deus me deu a mão, eu disse: agora eu vou lutar”, lembra. Foi levado para o Hospital Walfredo Gurgel, onde ficou internado por cerca de uma semana. Depois disso, foi transferido para um hospital de rede particular. Lá mesmo, começou o acompanhamento psicológico.

Ele relembra que, no momento da queda,  queria encontrar com um ente querido, que faleceu um ano antes e com quem foi criado até a adolescência, quando adquiriu independência financeira. Pedro enfatiza que no início da sua vida sozinho, tudo ia bem. Nesse período, ele se coloca como uma pessoa divertida, mas conta que logo começou a viver uma vida que não era sua. Longe da família, deu lugar a pensamentos depressivos. “A gente cria um monstro”, declara.

ATENÇÃO: ÁUDIO ABAIXO TEM CONTEÚDO DELICADO PODE GERAR ‘GATILHOS’ EMOCIONAIS

Mesmo com o passar do tempo, Pedro não sabia que sua situação se encaixava em um quadro depressivo. “Não sabia. Para mim, minha vida estava normal”, conta. Além disso, viveu um noivado sem perspectiva. Não tinha intenção de casar-se.” Eu vivi um noivado com uma pessoa que eu não gostava. Era uma vida de curtição, de festa”, disse. Ele conta que o momento do acidente foi decisivo para que ele pudesse deixar tudo para trás. Queria, acima de qualquer coisa, aproveitar a nova chance.

Durante seis meses recebeu tratamento, acompanhado por uma psicóloga e uma psiquiatra. Chegou a tomar medicamentos para ansiedade.  Ele conta que, nesse ponto, evoluiu rápido.  “A partir disse dia eu mudei minha vida. Voltei a conviver com minha família”, relata. Isso só foi possível depois que recebeu tratamento e buscou ajuda. Ele conta que não queria prejudicar ainda mais sua família e amigos. Era hora de tentar algo novo.

Hoje enxerga o suicídio como uma tentativa de fuga. O mais desesperado ato de livrar-se de algo que incomoda e, por muitas vezes, dói. “Eu amo viver, eu não quero morrer, e aquilo, para mim, era uma fuga”, afirma. Embora tenha passado por momentos difíceis, sente que renasceu com a chegada de seu primeiro filho. Hoje não precisa fugir, pois encontrou em sua família e em amigos próximos, um lugar para ficar. Espaço de aconchego e acolhimento.

Psicóloga fala da própria experiência

Já a psicóloga Iara Oliveira, conta que sua mente ia para um lugar oposto à solidão. Desde os 15 anos, sofria com intensas crises de ansiedade que foram diagnosticadas dois anos depois como Transtorno de Ansiedade Generalizada. De início, ouvia muitas críticas por parte de conhecidos, colegas e familiares. Ela lembra que as respostas eram sempre as mesmas: “Deixe de besteira”. “Eu chegava a desmaiar, tinha picos de estresse e choro”, explica.    

Ainda na adolescência começou tratamento medicamentoso, mas relata que ouvir as críticas não era fácil. Ser adolescente, em um período em que as pessoas não entendiam bem a importância de discutir e tratar da saúde mental, foi uma barreira que a faz interromper o tratamento. “Eu permaneci evoluindo na ansiedade, as crises foram ficando enormes”, relata. Viveu boa parte da vida em extremos. Dormia muito ou nada, tinha reações grandes demais e  emoções afloradas. “Foram tempos muito difíceis”, complementa.

Quando começou a faculdade de psicologia, em 2017, em Mossoró, interior do Estado, sentiu o estigma de enfrentar problemas ao mesmo tempo que precisava aprender a cuidar das pessoas. Mesmo assim, sentiu alívio por pensar ter a oportunidade de finalmente se acertar consigo mesma. “A faculdade te ensina a ciência e você aplica essa ciência na sua vida, e foi o que eu fiz”, conta. Embora sentisse certa calma, a ansiedade continuou em alguns momentos. Então, no final do primeiro semestre do curso, no mesmo ano, tentou suicídio pela primeira vez.

Depois desse episódio, ela sentiu que precisava retornar para o tratamento, incentivada por amigos. Tinha cerca de 20 anos na época. “Eu procurei ajuda e comecei”, lembra. Iniciou tomando medicamentos fortes para ansiedade, o que trouxe uma série de efeitos colaterais. “Tomar medicação sem ajuda de psicólogo não adianta”, afirma. Ela diz que o importante é aprender a lidar com as emoções. “O problema da ansiedade não está só no nosso sistema nervoso, está nos nossos pensamentos, e se a gente não aprende a lidar com as nossas emoções, só a medicação não funciona”, completa.

Já em fevereiro de 2018, após ficar desempregada, tentou suicídio pela segunda vez. Ela ingeriu uma grande quantidade de medicamentos, o que podia ter levado a uma intoxicação ou overdose medicamentosa. Nesse momento, Iara conta que teve “um choque de realidade”. Ela afirma que depois disso, aproveitou uma nova chance. “Eu decidi que queria continuar vivendo”, relata. Embora tenha tomado essa decisão, as crises persistiram, mas o que a ajudou foi ter voltado para a terapia.

“Eu consegui entrar em um processo de autoconhecimento. Entendi quem eu era, o que eu queria para a minha vida e como eu regia as minhas emoções”, explica. Esse processo a ajudou a se afastar de situações que poderiam ser ruins para sua saúde mental. Desenvolveu seus próprios mecanismos para lidar com a ansiedade. Começou a praticar exercícios físicos, deixou de frequentar ambientes que não a faziam bem. Essa série de ações, aliadas a acompanhamento psicológico ajudaram a lidar com as emoções.

Atualmente, Iara atua nas áreas de psicologia clínica e educacional. Se formou em 2021e dá palestras, principalmente, para estudantes de ensino médio. Sua intenção é mostrar que existem outras escolhas a ser feitas e que o suicídio não é a saída ou a resolução de um problema. “A pessoa que tenta suicídio não quer morrer”, afirma. Embora os problema possam parecer demais em certo ponto, há sempre uma maneira de procurar ajuda. Não há melhor escolha do que a vida.

Rede de apoio

De acordo com dados compilados pelo Anuário da Violência, só no Rio Grande do Norte, foi registrado um aumento de 51,6% nos casos de suicídio entre 2020 e 2021. Esses são casos extremos que podem ser evitados com tratamento e acolhimento adequados. Segundo a preceptora psicóloga do Instituto Santos Dumont (ISD), Marta Alves, ter uma rede de apoio é fundamental para enfrentar diversas situações, como transtornos mentais, além de sofrimentos e esgotamentos mentais diários.

Ela diz que é importante manejar as relações para ter tempo de qualidade no ambiente familiar, mesmo que o dia a dia seja difícil. “Às vezes é difícil ter tempo de qualidade dentro do ambiente familiar. Em alguns momentos, você é a rede de apoio para uma pessoa ao mesmo tempo em que essa pessoa também é rede de apoio para você”, afirma a psicóloga Marta Alves.

Procure ajuda

1 – Centro de Valorização da Vida – tel. 188 ou site www.cvv.org.br;

2 – Risco de suicídio iminente: ligar para 190 ou 192 e solicitar atendimento;

3 – Busque ajuda de familiares, amigos, diretor/coordenador de escola, padre, assistente social, pastor, médico, enfermeiro, líder comunitário;

4 – Procure o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) mais próximo;

5 – Se for estudante da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, procure o Programa de Enfrentamento à Tristeza.

Repórter: Líria Paz – TRIBUNA DO NORTE

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