São Paulo — Antigos protagonistas de esquemas de corrupção, como o mensalão e o petrolão, os doleiros perderam o lugar para fintechs que atuam com fachada de banco e que têm sido cada vez mais enredadas em investigações sobre lavagem de dinheiro no país.
Ao Metrópolesinvestigadores relatam que a abertura do Banco Central (BC) para novas empresas, com regulação mais flexível nos últimos anos, fez com que o crime organizado conseguisse usar empresas lastreadas no próprio sistema financeiro para esconder seus ativos.
Há uma crítica generalizada sobre o papel “cartorário” que o BC tem feito na hora de autorizar e fiscalizar essas empresas. No Brasil, as fintechs estão regulamentadas desde abril de 2018 pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Estima-se que atualmente existam mais de 1,5 mil empresas do ramo operando no país.
Se por um lado, a chamada “fintechização” do mercado financeiro aumentou a concorrência, a eficiência e a rapidez nas transações, por outro, abriu espaço para centenas de empresas que têm nome de banco, mas não têm autorização para operar como um, vendam contas que prometem blindar patrimônio de bloqueios do Banco Central.
“Os novos meios de pagamentos substituíram o papel de doleiros”, afirma o coordenador do Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo (MPSP), Fábio Bechara (foto em destaque). Experiente em casos de lavagem de dinheiro, ele é um dos investigadores que testemunharam o dinheiro ilícito migrar dos antigos doleiros, conhecidos de investigações nos últimos anos, para fintechs e até instituições abrigadas sob o guarda-chuva do BC.
Outros investigadores na Polícia Federal (PF) afirmam, sob condição de reserva, que as fintechs e os novos bancos “simplesmente não levam segurança a sério”. Segundo eles, por não terem meios de verificação de titulares e destinação do dinheiro que sejam seguros, deram origem a uma “grande onda de fraudes”.
Como mostrou o Metrópolesinquéritos policiais de grande repercussão, como o de lavagem de dinheiro das casas de apostas que envolveu a advogada Deolane Bezerra e o cantor Gusttavo Lima, o do banco do PCC em São Paulo e a Operação Concierge, que mirou falsas instituições financeiras que abrigavam dinheiro da facção e de fraudadores, somaram R$ 17,7 bilhões em ordens de bloqueios judiciais sob suspeita.
Nessas investigações, pelo menos 10 instituições financeiras autorizadas pelo BC foram usadas para crimes e apenas uma não está sob suspeita de participar deles.
Essas investigações mostram como a promessa feita abertamente por empresas da Faria Lima de blindar patrimônios acaba sendo usada por criminosos. Os esquemas funcionam assim: uma fintech que não faz parte do sistema financeiro promete a clientes abrir contas em nome de seu próprio CNPJ para gerir seus recursos. Isso faz com que o Banco Central e investigadores nunca achem o dinheiro desses correntistas ao efetuar bloqueios sobre eles.
Os inquéritos também mostraram que instituições financeiras estão fazendo vista grossa sobre essas contas, que são apelidadas no mercado como “contas bolsão” ou “contas gráficas”. Mesmo um banco cujos sócios foram presos por abrigar dinheiro do PCC recentemente continua vendendo o serviço a quem abordar seus canais de atendimento no WhatsApp.
Segundo apurou o Metrópoleshá outras investigações em andamento para entender se estelionatários estão abrindo contas gráficas em fintechs para aplicar golpes em idosos. Há um inquérito em andamento para investigar, por exemplo, como um bando de estelionatários estava vendendo precatórios falsos usando contas gráficas para receber o dinheiro de vítimas.
Quando o dinheiro cai na conta gráfica, que está em nome da fintech, e não de seu real controlador, fica mais difícil de identificar quem foi o falsário que levou a grana embora. Como mostrou o Metrópolesesse tipo de conta, que permite todo tipo de drible ao Banco Central em ordens de bloqueio, é vendido abertamente pelas empresas.