18.1 C
Ouro Branco

TCU condena Deltan e Janot por gastos com diárias da “lava jato”

Anúncios

A 2ª Câmara Ordinária do Tribunal de Contas da União condenou o ex-procurador Deltan Dallagnol, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot e o procurador João Vicente Beraldo Romão a restituir aos cofres públicos R$ 2,8 milhões (valor atualizado) gastos com diárias e passagens de membros da finada “lava jato”.

Com isso, Dallagnol, pré-candidato a deputado federal pelo Podemos no Paraná, fica inelegível, segundo especialistas ouvidos pela ConJur. O mesmo vale para Janot, filiado ao mesmo partido, mas ele já havia ficado de fora da lista de candidatos à Câmara pelo Distrito Federal.

Fernando Neisser, presidente da Comissão de Direito Político e Eleitoral do Instituto dos Advogados de São Paulo (Iasp), explica que a situação pode ser revertida caso a decisão do TCU seja suspensa até a próxima segunda-feira (15/8), prazo limite para registros de candidatura.

O TCU julgou irregulares as contas de Dallagnol, Janot e Romão e considerou que eles praticaram atos “antieconômicos, ilegais e ilegítimos” que podem caracterizar atos de improbidade administrativa. Tais condutas devem ser examinadas em ação própria pelos órgãos competentes.

De acordo com a Lei da Ficha Limpa, ficam inelegíveis por oito anos “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário”.

Apesar de o TCU não ter confirmado expressamente a ocorrência de improbidade, o advogado eleitoralista Thiago Fernandes Boverio explica que a jurisprudência é sólida no sentido de que, no registro de candidatura, a própria Justiça Eleitoral pode interpretar se a conduta configura ou não ato doloso de improbidade. Segundo ele, dificilmente a decisão será afastada no registro de candidatura.

O caso
Procuradores de outras cidades foram indicados para atuar na “lava jato” em Curitiba e receberam ajuda financeira como se estivessem em uma situação provisória de trabalho, em vez de ser oficialmente transferidos para a capital paranaense.

O ministro Bruno Dantas, relator do processo, considerou que faltaram estudos mínimos para avaliar alternativas e demonstrar tecnicamente que o modelo de gestão adotado era “o que melhor atendia ao interesse público”.

O ofício que solicitou a instituição da força-tarefa não mencionou custos dos trabalhos, nem critérios que justificariam a escolha dos membros. Dos seis procuradores originalmente designados, cinco não estavam lotados em Curitiba. Três eram procuradores regionais da República — que têm atribuições nos Tribunais Regionais Federais, e não em ações investigativas na primeira instância.

O relator também ressaltou que os critérios de seleção nunca foram tornados públicos. Por isso, outros procuradores não tiveram oportunidade de se candidatar aos quadros da força-tarefa.

Romão, chefe da Procuradoria da República no Paraná e signatário do documento, pediu a locação de um imóvel para abrigar as atividades da “lava jato”. Para Dantas, isso demonstraria que, à época, já se sabia que os trabalhos durariam muito mais do que os cinco meses inicialmente autorizados.

De acordo com o ministro, a opção adotada não representou o menor custo possível. Em vez disso, garantiu aos procuradores “o auferimento de vultosas somas a título de diárias”, sem limitações para que os valores não extrapolassem o razoável. As circunstâncias indicariam “uma atuação deliberada de saque aos cofres públicos para benefício privado”.

Gastos
Dantas lembrou que os procuradores já recebiam auxílio-moradia, um benefício criado justamente para custear “despesas transitórias de acomodação de média duração”.

Dos R$ 3,25 milhões gastos com o deslocamento e estadia dos procuradores, R$ 2,77 milhões (85%) foram destinados a viagens do domicílio oficial de cada um para Curitiba.

O procurador Diogo Castor de Mattos, por exemplo, recebeu R$ 373 mil em diárias entre 2014 e 2019, apesar de residir em Curitiba à época. Ele havia sido estagiário do líder da “lava jato”, Dallagnol, e passou a integrar a equipe logo após ser aprovado no concurso público para o Ministério Público Federal. Mais recentemente, Castor foi demitido por pagar um outdoor em homenagem à força-tarefa.

Já o procurador Orlando Martello Júnior era oficialmente lotado em São Paulo, mas casado com uma procuradora residente na capital do Paraná. Seus deslocamentos e estadias custaram R$ 508 mil de 2014 a 2021.

Responsabilidade
A decisão pelo pagamento das diárias e passagens foi notada pelos próprios beneficiários. Martello, por exemplo, chegou a consultar a alta administração do MPF quanto à percepção das diárias. A opção foi validada.

Dantas destacou que os procuradores chamados a Curitiba não foram responsáveis pela escolha do modelo de custeio.

Os verdadeiros responsáveis seriam os membros do MPF que resolveram adotar o formato da força-tarefa: Dallagnol, Romão e Janot. O chefe da “lava jato” participou ativamente da concepção do modelo escolhido e da demanda de recursos materiais e humanos. Romão solicitou a constituição da força-tarefa. Já Janot autorizou a operação. Segundo Dantas, nenhum deles analisou corretamente os custos dos trabalhos.

Fundamentos
Janot alegava que a responsabilidade deveria ser compartilhada com integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal (CSMPF), já que as decisões foram aprovadas pelo colegiado.

Mas Dantas apontou que o órgão não tinha a atribuição de decidir quanto a modelos de gestão e custeio da “lava jato”. Tal responsabilidade seria, na verdade, do titular do MPF e dos que propuseram a força-tarefa sem motivar suas escolhas.

Nem mesmo o formato de força-tarefa foi devidamente justificado. Os procuradores alegavam que esse sempre foi o modelo adotado pelo MPF para apuração de delitos complexos que exigiam investigações conjuntas e coordenadas de forma temporária.

Mas a “lava jato” não foi passageira. “Foram sete longos anos em que a complexidade se tornou crescente, sem que houvesse, minimamente, uma reflexão administrativa acerca dos custos”, pontuou o relator. O próprio CSMPF reconheceu que a força-tarefa representou, na prática, uma “unidade administrativa de fato”.

Conforme o inciso II do artigo 227 da Lei Complementar 75/1993, o pagamento de diárias decorre de “serviço eventual fora da sede”. O ministro destacou que isso “claramente não adere à realidade dos integrantes da força-tarefa”.

Os procuradores argumentavam que o pagamento de diárias e passagens seria inerente ao próprio modelo de força-tarefa. Na visão de Dantas, isso levaria “à absurda conclusão de que à gestão administrativa do MPF seria lícito deslocar, de um lado, procuradores lotados no Norte do Brasil para forças-tarefa no Sul e, de outro, procuradores lotados no Sul para forças-tarefa no Norte”.

O relator ressaltou que havia outras alternativas. Em 2014, já existia uma norma do MPF que regulamentava o modelo de Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). Já o modelo de forças-tarefa não era normatizado e foi “aprovado mediante atos precários e institucionalmente lacunosos”.

Os responsáveis sequer consideraram outras opções quando adotaram o modelo, nem mesmo depois de consultas internas ao longo do tempo. “Pelo contrário, as informações indicam que tinham plena ciência da desproporcionalidade dos valores recebidos”, assinalou o ministro.

Os procuradores alegavam que a adoção do Gaeco era difícil à época, porque ainda não havia remuneração definida em lei. Assim, poucos membros se interessavam em assumir o trabalho extraordinário.

Para Dantas, isso revelaria que “um mecanismo artificioso de remuneração adicional foi necessário para motivar os procuradores a assumirem trabalhos menos cômodos, já que o subsídio equivalente ao teto do funcionalismo público, somado ao benefício de auxílio-moradia, não era suficiente para mantê-los ‘interessados’ em exercer as atribuições que a sociedade brasileira ordinariamente deles espera”.

Perseguição
Em nota, Deltan Dallagnol alegou estar sendo perseguido e informou que vai recorrer da decisão ao Plenário do TCU. Leia a íntegra da manifestação:

A respeito do julgamento pela 2ª Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as diárias da operação Lava Jato, o ex-procurador Deltan Dallagnol esclarece o seguinte:

1. A 2.ª Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU) entra para a história como órgão que perseguiu os investigadores do maior esquema de corrupção já descoberto na história do Brasil. O órgão se junta àqueles que, ao invés de condenar o desvio de bilhões de reais de recursos públicos, decidem condenar aqueles que se dedicaram arduamente ao combate à corrupção. Trata-se de uma absurda inversão de valores que não encontra eco na opinião pública.

2. A decisão dos ministros desconsidera o parecer de 14 manifestações técnicas de 5 diferentes instituições (MPF, TCU, MP-TCU, ANPR e JF) que referendaram a atuação da Lava Jato e os pagamentos feitos. Tudo isso com o objetivo de perseguir o ex-procurador Deltan Dallagnol e enviar um claro recado a todos aqueles que lutam contra a corrupção e a impunidade de poderosos.

3. Discordando dos 4 ministros políticos do TCU que condenaram Deltan Dallagnol, todos delatados na Lava Jato, o ministro substituto André Luis, que veio da área técnica e não tem direito a voto, no fim do julgamento, pediu a palavra para elogiar ironicamente o ministro relator Bruno Dantas pela coragem de condenar quem combateu a corrupção, contra as manifestações técnicas, enquanto os tribunais estão livrando a cara de quem realmente praticou corrupção.

4. Este é mais um episódio que mostra o quão longe o sistema político quer ver a Lava Jato do Congresso Nacional e até onde o sistema é capaz de chegar para impedir que o combate à corrupção avance no país.

5. Deltan Dallagnol segue firme com o propósito de combater a corrupção, amparado no apoio de mais de 80% da população brasileira que apoia a Lava Jato e está indignada com a impunidade. Prova disso é que sua pré-campanha já arrecadou mais de R$ 230 mil por meio de uma vaquinha virtual, um dos maiores valores arrecadados por pré-candidatos por meio desta modalidade.

6. A decisão da 2.ª Câmara do TCU não torna o ex-procurador inelegível, já que a lei determina que se tornam inelegíveis apenas “os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário” (art. 1º, inciso I, alínea “g”, da Lei Complementar 64/90).

7. A defesa do ex-procurador vai recorrer da decisão ao Plenário do TCU, o que tem efeito suspensivo, ou seja, suspende os efeitos da decisão.

8. Deltan reafirma seu compromisso com o Brasil e acredita que a resposta aos ataques do sistema, coordenados por políticos corruptos, virá das urnas em outubro.

Clique aqui para ler o voto do relator
Clique aqui para ler o acórdão
TC 006.470/2022-0

Mais artigos

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimos artigos