17.3 C
Ouro Branco

Terceira dose deve acentuar desigualdade global na vacinação contra covid-19

Anúncios

Enquanto países de maior nível de renda se preparam para a aplicação da dose de reforço ou já começaram a aplicá-la, os países de renda baixa só vacinaram 2,1% de suas populações com pelo menos uma dose, segundo dados de agosto da Organização Mundial da Saúde (OMS). As chamadas nações de renda alta imunizaram, em média, 57,3% de suas populações. A disparidade no estoque de doses tende a ser ainda maior.

Buss define a renovação da demanda por vacinas nos grandes centros como um duro golpe aos esforços multilaterais de equidade na distribuição das vacinas, como o consórcio para doação e venda de vacinas Covax Facility, da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O pesquisador alerta que a consequência direta do agravamento desse cenário é a criação de bolsões permanentes de transmissão do vírus, sobretudo na África, o que prolonga a pandemia e, no limite, pode agravá-la por favorecer o surgimento de variantes mais infecciosas ou resistentes às vacinas.

A dose de reforço tem amparo científico: diversos estudos já atestam queda na imunidade de idosos passados seis meses da vacinação. A própria Fiocruz ratifica a estratégia, adotada pelo governo brasileiro, de aplicar um reforço nos mais velhos.

Mas Buss define a opção como um “erro técnico” do ponto de vista global, para além da discussão ética que costuma prevalecer no debate. “A discussão é delicada, mas a forma como caminhou evidencia o fracasso da cooperação no enfrentamento à doença, o grau de fragilidade dos instrumentos multilaterais”, diz.

A OMS prega uma moratória à terceira dose até que todos os países tenham pelo menos 40% de suas populações vacinadas, mas a lista de governos signatários da organização que ignoram a recomendação cresce a cada dia. Países como Israel, Rússia, Chile e Uruguai já aplicam o reforço e pelo menos outros 25, como o Brasil, anunciaram o início da revacinação neste mês. A maioria planeja revacinar somente idosos, mas os EUA vão contemplar todas as faixas etárias, o que aumenta ainda mais a pressão sobre a disponibilidade global de vacinas.

Integram a lista oito dos dez países que, até 2 de setembro, concentravam 72% de todas as doses aplicadas no mundo, segundo dados recolhidos pelo Valor no painel “Vaccine Tracker”, da Bloomberg. Além dos europeus, estão nesse grupo Estados Unidos, Brasil e Turquia. As exceções são China e Índia, que, superpopulosos, só não planejam revacinar suas populações porque ainda avançam na primeira imunização.

Na outra ponta, dos sem vacinas, estão os 50 países mais pobres do planeta. Juntos, eles tocaram somente 3% das 5,3 bilhões de doses administradas até hoje no mundo, mas representam 20,4% da população mundial. O grupo é dominado por africanos e asiáticos e inclui territórios com mais de 200 milhões de habitantes, como Paquistão e Nigéria.

Buss chefiou a Federação Mundial de Saúde Pública e representou o Brasil nos fóruns globais da área e sua aposta é que os líderes de todo o mundo deverão tratar da pandemia em seus discursos na Assembleia-Geral da ONU, em 21 de setembro. E observa que esse agravamento da desigualdade no acesso às vacinas vem justamente nos meses em que a agenda de reuniões multilaterais se adensa. Entre setembro e outubro, além da assembleia em Nova York, haverá uma cúpula do G-20, a Conferência do Clima e a Assembleia Mundial da Saúde.

“E não há fumaça branca nesse horizonte”, diz o pesquisador. Ele menciona a omissão do grupo de sete dos países mais ricos do mundo, o G-7, que deve se repetir no âmbito do G-20, cujos ministros da Saúde se reuniram em Roma no domingo passado.

Em junho, quando o tecido multilateral formado por OMS, OMC, FMI e Banco Mundial propôs esforço de U$ 50 bilhões do G-7 para destravar a vacinação no mundo pobre com 11 bilhões de doses, o grupo respondeu com a promessa de doar cerca de 1 bilhão de doses até meados de 2022. “Então, a terceira dose já estava no horizonte e prevaleceu a lógica da ‘farinha pouca, meu pirão primeiro’”, afirma Buss. Entre outras demandas da OMS ignoradas até aqui, ele cita a descentralização da produção e a flexiblização de patentes da vacina contra a covid-19.

Para o especialista, o Brasil permanece em posição de demandante, sem voz na geopolítica da vacina. Isso porque o país não tem produção local estabelecida (as duas vacinas que por enquanto saem de laboratórios brasileiros e parceria com estrangeiros, a Coronavac e a AstraZeneca, dependem do Ingrediente Farmacêutico Ativo, IFA, importado). O Brasil tampouco tem excedentes adquiridos.

Ainda assim, diz Paulo Buss, tão prudente quanto pensar em doses de reforço, seria expandir a vacinação a outras faixas etárias e auxiliar países vizinhos para proteger fronteiras secas. A última frente, no entanto, estaria condenada pela extinção da antiga União de Nações Sul-Americanas, endossada pelo governo Jair Bolsonaro, além de Argentina, Chile e Colômbia, em abril de 2019.

Depois de um período marcado por lentidão e confusão no processo de vacinação, o Brasil tem atualmente pouco mais que 30% da população totalmente imunizada. Paulo Buss lembra que essa situação inicial levou Estados e municípios a buscarem planos próprios de imunização, o que agora pode comprometer a unidade da campanha pelo país.

Mais artigos

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Últimos artigos