Cientistas da Fapesp dizem que organização tornaria dados de procedimentos realizados na rede pública acessíveis
O Ministério da Saúde conta hoje com mais de 800 sistemas que controlam vários aspectos da pasta. Como cada vez mais os atendimentos são feitos em prontuários eletrônicos, milhares de dados sobre a evolução das doenças em muitos brasileiros estão armazenados.
Ter essas informações organizadas e acessíveis, portanto, poderia tornar o Brasil uma liderança em inteligência artificial aplicada à medicina, poupando recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) e também de pesquisa.
A análise foi feita por Ester Sabino, professora da FM-USP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), em palestra apresentada em 9 de novembro, durante evento da série “A Ciência no Desenvolvimento Nacional”.
Organizado pela Aciesp (Academia de Ciências do Estado de São Paulo) e pela Fapesp, o webinário – intitulado “Saúde humana e os desafios globais das doenças crônicas e infeciosas” – marcou o lançamento do 6º capítulo do livro produzido pela Aciesp em comemoração aos 60 anos da Fundação.
Segundo a pesquisadora e coautora do capítulo, o Decit (Departamento de Ciência e Tecnologia) do Ministério da Saúde publicou em 2018 a Agenda de Prioridades de Pesquisa, mas falta uma integração com o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações) para pensar em pesquisas de ponta que poderiam ser feitas.
Um passo importante seria integrar os dados e torná-los disponíveis à comunidade acadêmica.
“O SUS poderia dar um apoio enorme, uma vez que está atualmente limitado pela dependência tecnológica. Hoje tudo precisa ser importado ou a tecnologia necessária sequer foi desenvolvida. Uma vez que nos Estados Unidos, por exemplo, não existe um sistema de atenção primária, nem se pensa em torná-lo mais funcional. Por isso, fomentar esse tipo de pesquisa no Brasil é fundamental. Por outro lado, o cientista no Brasil sabe pouco sobre como funciona o sistema de saúde do país”, afirmou Sabino.
A pesquisadora lembra que uma parte significativa dos custos de estudos populacionais é o recrutamento de pacientes, quando o SUS está colhendo esse tipo de dado todos os dias.
Como exemplo, foram mencionados os dados do Centro de Telessaúde, em Minas Gerais, criado para armazenar laudos de eletrocardiograma. Um grupo de pesquisadores processou os dados e chegou a diversas conclusões interessantes, como a possibilidade de prever a idade do paciente por inteligência artificial.
Num estudo publicado na Nature Communications a partir dessas informações, o grupo concluiu que, quando a idade estimada pelo computador é 8 anos maior do que a idade cronológica da pessoa, isso indica uma maior taxa de mortalidade para várias doenças.
“Isso com um simples eletrocardiograma. Imagine com dados de todos os outros exames, como raios-X, ultrassom, hemogramas e outros, que existem no sistema e podem ser associados de forma organizada”, ressaltou a pesquisadora, que coordena no Brasil o CADDE (Centro Conjunto Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus), apoiado pela Fapesp.
Vacinas e genoma
O encontro teve ainda como palestrantes Adriano Andricopulo, professor do IFSC-USP (Instituto de Física de São Carlos) e diretor-executivo da Aciesp, que coordenou a produção do capítulo.
As possibilidades que a edição gênica trazem para a saúde foi o tema abordado por Mayana Zatz, professora do IB-USP (Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo) e coordenadora do CEGH-CEL, (Centro de Estudos do Genoma Humano e Células-Tronco), um CEPID (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão) da Fapesp.
Juliana Quero Reimão, professora da Faculdade de Medicina de Jundiaí, falou sobre a urgência de novas vacinas e medicamentos para as chamadas doenças tropicais negligenciadas.
O webinário teve ainda a presença de Vanderlan Bolzani, professora do IQ-Unesp (Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista) e presidente da Aciesp.