Por Pedro Lúcio Góis*
Entre os dias 22 e 24 de Outubro de 2024 aconteceu a 16ª Cúpula dos BRICS na cidade de Kazan, Rússia, um evento de grande importância no cenário geopolítico mundial que aprovou a Declaração de Kazan sob o tema “Fortalecendo o multilateralismo para o desenvolvimento e a segurança globais justos”. A Cúpula reuniu representações de 35 países e seis organizações internacionais e discutiu uma ampla gama de temas, dentre eles a nova organização econômica e geopolítica global e a necessidade de reformas na governança dos organismos internacionais, especialmente do Conselho de Segurança da ONU e do FMI, de forma a representar essa nova realidade, abordou o tema das guerras em andamento no mundo, especialmente na Ucrânia, Sudão, Líbano e Palestina, as sanções internacionais unilaterais e até o fortalecimento das relações entre países privilegiando o uso de moedas nacionais nas transações dentro do bloco, em detrimento do dólar. Por fim, a declaração de Kazan aponta o Brasil como próximo país a presidir o bloco a partir de janeiro de 2025 bem como a sediar a realização da XVII Cúpula do BRICS. Nesse artigo, estarei dedicado às abordagens da Cúpula dos BRICS no que se refere à transição energética, desenvolvimento sustentável e mudança climática.
A Declaração de Kazan enfatiza a “natureza universal e inclusiva da Agenda 2030 (plano global aprovado na ONU com 17 objetivos de desenvolvimento sustentável) para o Desenvolvimento Sustentável e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, ressaltando que esses objetivos devem levar em consideração as “diferentes circunstâncias, capacidades e níveis de desenvolvimento nacionais”, afirmando, finalmente, o compromisso em colocá-lo no centro da agenda de cooperação internacional.
Sinaliza ainda um avanço significativo no que diz respeito à cooperação tecnológica entre os países do BRICS. O documento reconhece a importância da transferência de tecnologia e do desenvolvimento de capacidades locais como pilares para a transição energética e o desenvolvimento sustentável. Ao propor a criação de plataformas de colaboração e o incentivo à pesquisa conjunta em áreas como energias renováveis, eficiência energética e tecnologias limpas, os países membros demonstram um compromisso com a construção de um futuro mais sustentável. Essa cooperação tecnológica tem potencial para acelerar a transição energética nos países do bloco e fortalecer a autonomia tecnológica e a competitividade das suas economias.
O documento reitera que “os objetivos, princípios e disposições da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), seu Protocolo de Quioto e seu Acordo de Paris devem ser honrados” e ressalta que “a UNFCCC, incluindo as sessões anuais da Conferência das Partes (COP), é o fórum internacional primário e legítimo para discutir a questão da mudança climática em todas as suas dimensões” e declara, por fim, apoio ao trabalho da Força-Tarefa para Mobilização Global contra a Mudança do Clima no âmbito do G20.
Ao longo de toda a declaração, duas preocupações explícitas chamam a atenção. Primeiramente, a preocupação com a adequação dos objetivos de desenvolvimento sustentável e dos esforços relacionados a mudanças climáticas à realidade dos países
emergentes que compõem o bloco. Nesse tópico o documento defende, inclusive, que a dependência da produção e consumo de combustíveis fósseis dos países em desenvolvimento seja levada em consideração para alcançar transições energéticas justas. Claramente é um item que dialoga com a realidade dos países em desenvolvimento, dos quais é inviável exigir uma transição abrupta de matriz energética sem que isso signifique seu colapso econômico. Até mesmo o Brasil, um país cuja maior parte da energia consumida já é de fontes renováveis, não pode, do dia para a noite, abrir mão de explorar suas reservas petrolíferas, inclusive se utilizando disso para realizar sua transição energética. O documento está atento a essa realidade em vários momentos, especialmente no parágrafo 81.
A segunda preocupação do documento é a utilização de sanções unilaterais sob o pretexto de preocupações climáticas e ambientais. Nesse sentido, a declaração confirma o apoio ao apelo da COP28 relacionado a evitar medidas comerciais unilaterais baseadas no clima ou no meio ambiente. Ela denuncia várias vezes a utilização das mais variadas formas de sanções unilaterais sob esse pretexto, o que culmina com o reforço de que a UNFCCC e a COP são o fórum adequado para discutir, de forma multilateral, as questões climáticas. A preocupação de que as questões climáticas sejam distorcidas como uma nova forma de disputa geopolítica por influência, poder e privilégios é clara.
Por fim, houve destaque para a participação do Brasil, através do Presidente Lula, que participou por vídeo-conferência. Em sua intervenção, o presidente ressaltou o papel do BRICS como “ator incontornável no enfrentamento da mudança do clima” e reforçou que o histórico de emissões de gases de efeito estufa pelos países desenvolvidos é o principal responsável pelo estado atual do aquecimento global, mas sem desconsiderar também a responsabilidade dos países emergentes. Em outras palavras, o presidente afirmou que a responsabilidade não pode cair apenas sobre os países em desenvolvimento, devendo aos países desenvolvidos a maior carga de responsabilidade, e, portanto, de esforço para reversão do quadro atual.
Dado o momento de reorganização da geopolítica mundial em que aconteceu essa Cúpula e a realidade dos países emergentes, a declaração abriu mão de ser mais ambiciosa ao não apontar metas mais concretas para a redução de emissões do bloco, para resguardar os interesses dos países membros e denunciar as práticas abusivas relacionadas ao clima. Ainda há um longo percurso a ser trilhado para a construção de instrumentos internacionais eficazes que apontem caminhos para uma transição energética justa, sustentável e global no ritmo que a realidade do aquecimento global impõe.
Declaração de Kazan:
https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/xvi-cupula-do- brics-2013-kazan-russia-22-a-24-de-outubro- de-2024-declaracao-final
*É dirigente do Sindipetro/RN, da FUP e da CTB, bacharel em Direito pela UFERSA, especialista em Direitos Humanos pela UERN e empregado da Petrobrás.
Este texto não representa necessariamente a mesma opinião do blog. Se não concorda faça um rebatendo que publicaremos como uma segunda opinião sobre o tema. Envie para o bruno.269@gmail.com.